MAAT em duas exposições: uma estende o olhar, a outra parte-o aos bocados

MAAT em duas exposições: uma estende o olhar, a outra parte-o aos bocados


Mostra de meia centena de artistas serve uma grande-angular para o lado enlouquecedor da cidade contemporânea


“ergo sum, aliás, Ego sum” Tchii wujk lhchydbsduicfdiisdc sadhibfiybnsricbniaendanuiadn usahuisdh. Zebra bistro? Afã rude! Na malga longe sucata flan, mas roez, e o sultão miró zumba camaleão istmo mellow massacre suave. Gfjanufi daambu guremi fre culal operturiato ou chiaduhciuhadc hdhcid… Ambidextro, fuga maneirista ah realeza, sua majestade bomba!

À vista desarmada esse parágrafo aí em cima pode passar por uma bruta algaraviada: o leitor duvidando se o jornalista deixou como arranque do texto o momento em que derramou o café no teclado, na mesa, no colo, batendo as teclas aos urros, como um louco ao piano… Isto é o que parece, mas com o nível certo de exegese logo se desvendará que se trata afinal de uma sentida, ainda que breve, homenagem a uma das duas exposições que abrem hoje ao público na Central Tejo (ou edifício velho) do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT). Esta chama-se “Dimensões Variáveis”. Reúne obras de 52 artistas, alguns na linha dura da arte contemporânea, os outros um pé lá, e o outro explorando uma saída. Mais de 60 obras numa mostra comissariada por Gregory Lang e Inês Grosso, a qual reflete sobre a relação entre arte e arquitetura.

Criada a partir da publicação “Artistas e Arquitetura: Dimensões Variáveis”, editada pelo Pavillon de l’Arsenal em Paris (2015), a exposição que esteve à beira do Sena chega agora às salas encostadas ao Tejo reformulada, sendo que os curadores apenas mantiveram 13 das obras que tinham sido exibidas na mostra original, baralhando e dando uma nova sequência no mesmo enquadramento, o que faz desta uma exposição nova e, presumivelmente, irrepetível.

E a experiência – como sempre desde que tentamos atravessar o caudaloso rio da arte contemporânea – é desafiante. À primeira vista, mais fácil do que o amor é os olhos ficarem trocados. Mas esta é uma mostra variada e com bastantes elementos contrastantes, obras mais provocatórias e outras mais sedutoras. Há um balanço e equilíbrio que não deixa de inquietar-nos. E o certo é que estão aqui alguns nomes que fizeram já as grandes rondas, e trazem bibliotecas a garanti-las, paredões de certificados. Cedidas pelos artistas e por várias coleções privadas, é uma seleção que é colocada nos píncaros pela especulação dos críticos de arte.

Não há uma contiguidade ou uma narrativa evidente, e nem uma harmonia na forma como as peças estão expostas, mas estas surgem organizadas por núcleos temáticos, abrindo perspetivas inusitadas sobre a vida urbana contemporânea e as configurações que a arquitetura projeta ou serve, bem como “a virtualização das relações sociais urbanas, dimensões do habitar e problematização da casa e do espaço doméstico, utopias arquitetónicas e modernistas, e trabalhos que se relacionam diretamente com ideias de escala, dimensões e instrumentos e sistemas de medição”.

Às vezes esta ou aquela obra surgem-nos como objetos negociando o seu próprio sentido, estruturas reflexivas,  engalfinhadas consigo mesmas. Já é hábito a diversidade de suportes, a oposição entre obras que parecem colagens e maquetes de miúdos que veem demasiada televisão, e coisas grandes, vacilando. Impõe-se-nos necessariamente à atenção “La Maison du Fada”, do artista francês Alexandre Périgot, uma estrutura tubular de alumínio motorizada que está presa a um eterno movimento de rotação bastante tedioso, e que cria o ruído de fundo que marca toda a exposição. Esta estrutura é conjugada com uma coleção de retratos de “fadas”, ou seja, personagens da cultura popular, a maioria deles saídos do pequeno e grande ecrã das produções hollywoodescas. Por si só a obra mastiga uma intriga algo inócua, mas depois está lá a um canto a placa que nos informa sobre aquilo que informou esta criação. A questão que se põe com esta arquitetura que parece dançar – uma reprodução cinética  da  “Cidade Radiosa”, de Le Corbusier à escala 1:15 – é se a arquitetura moderna pode levar as pessoas à loucura. Parece um comentário irónico e, no entanto, a convivência com a obra mergulha-nos cada vez mais na propriedade desta questão. Uma obra monumental mas aparentemente inofensiva começa a adquirir aquela capacidade de maceração de certos pesadelos, com um ritmo a que somos incapazes de nos alhear. Como o vento que tanto bate em certas localidades e ilhas furando a paciência e até o juízo de quem lá vive.

Baseada em factos verídicos, é irresistível a história por trás da estrutura. “Durante o desenvolvimento do projeto e antes da construção do edifício em Marselha, os detratores de Le Corbusier encomendaram um estudo a psiquiatras com o intuito de demonstrarem que os futuros residentes destas habitações corriam o risco de ficar loucos. Foi este episódio que deu o nome a este exemplar emblemático da arquitetura moderna: Maison du Fada (Casa dos Loucos)”.

Falta espaço para falar da outra exposição, “Arquivo e Democracia”, que se constitui como um ensaio audiovisual a partir de fotografias e filmes de José Maçãs de Carvalho, captados entre 2009 e 2011, em Central, o distrito financeiro de Hong Kong e, em 2012, nessa mesma área, junto ao Hong Kong and Shangai Bank. Fica prometido um encontro com a obra de um artista português interessado naquele vinco íntimo em que a realidade parece ela mesma pôr-se a imaginar.