O patriotismo económico é um protecionismo inteligente?


Os americanos que deram a vitória a Donald Trump estão tanto ou mais fartos do mundo como o mundo, em muitos territórios, está farto da América


Donald Trump já tomou posse. Já é presidente dos Estados Unidos da América. É o 45.o presidente da grande superpotência mundial. A vitória diante de Hillary Clinton significou, na prática, a vitória do americanismo em detrimento do globalismo. A sua posse e o seu início de funções têm merecido e continuarão a merecer por algum tempo muitas interrogações, muitas expectativas (umas mais positivas, outras mais negativas) quanto ao impacto, nos EUA, na Europa e no mundo, da concretização do programa político com que se apresentou aos americanos.

Os EUA têm agora um presidente que olha de soslaio para a sociedade aberta e para a ordem liberal mundial vigente. Têm um presidente que tem enfatizado amiúde que já chega de globalismo pago, vezes de mais, com dólares e vidas americanas. Que já chega de unipolaridade normativa, diplomática, política, económica, social, ambiental, militar, muito à conta dos americanos.

O mundo olha para Donald Trump como uma espécie de um elefante numa loja de porcelana. Porque, de entre muitas coisas, ele anuncia e promete (vamos ver até quando) ruturas, mudanças, revoluções (isso mesmo, revoluções e não reformas) que, a serem concretizadas, todas somadas, irão certeiramente produzir mudanças não só nos EUA, mas nos quatro cantos do mundo. Uma das suas promessas é colocar a América em primeiro lugar. Desde logo, economicamente. Nos estímulos à economia doméstica, à criação de mais e melhor riqueza, de mais e melhor emprego, de mais e melhor distribuição económica e social, de mais e melhores oportunidades para os americanos, sobretudo os deserdados do desenvolvimento das últimas décadas.

Na prática, uma espécie de patriotismo económico. Resta-nos a todos, americanos e não americanos, ver e esperar para perceber se esta espécie de patriotismo económico será ou não uma espécie de protecionismo inteligente. Se terá ou não sentido. Se terá mais e melhor impacto económico, social e político, para os americanos e para o mundo em geral. Para muitos de nós, Trump é uma espécie de meteorito político.

Quando surgiu, fizeram de conta que não existia, que não era para ser levado a sério. Depois começaram a escarnecer dele, que era uma espécie de tonto político. Depois, ao percebe-rem que, afinal, não era bem assim, começaram a combatê-lo de todas as maneiras possíveis e imaginárias. Mas, mesmo com tudo isso, ele venceu. Já tomou posse e aí está. Goste-se ou não. Ele é o presidente dos Estados Unidos da América que, por coincidência, é a superpotência mundial, o polícia do mundo, a potência figura maior da unipolaridade normativa, política, diplomática e militar mundial. Para quem, como é o meu caso, se fosse americano, não votaria nele (sobretudo pela sua obsessiva retórica anti-imigração), não escondo que considero estar a ser menosprezado e diabolizado em excesso.

De certa forma, faz lembrar o que fizeram a Ronald Reagan quando venceu e tomou posse. O patriotismo económico de Trump é um dos primeiros testes para percebermos se é ou não um protecionismo inteligente. Ou antes, um produto perigoso do populismo irresponsável, apenas e só, para combater os exageros da sociedade aberta e da ordem liberal mundial. Que, sejamos sinceros, tem produzido muitas desigualdades e minado os princípios basilares das democracias demoliberais. Donald Trump poderá ser útil, em muitos domínios, para emendarmos vários erros cometidos. A Europa não pode deixar de estar preocupada.

Porque tem vivido muito à conta do poder e da proteção militar americana e do seu chapéu tecnológico. Os americanos que deram a vitória a Donald Trump estão tanto ou mais fartos do mundo como o mundo, em muitos territórios, está farto da América. Isto só começou agora. E promete muitas verdades inconvenientes.