A geringonça à moda de Loures


Fernando Costa e o PSD têm sido em Loures o sustentáculo que o Bloco e o PCP são no país para o governo de António Costa e do PS. Há muita confusão nas autarquias, mas também há exceções como a Guarda, onde Álvaro Amaro quer continuar uma obra notável


1) Para quem se espante ainda com a existência de uma geringonça nacional que sustenta o governo, importa referir que há outros exemplos ao nível autárquico que são mais surpreendentes e mais antigos.

Um caso flagrante de um entendimento antagónico é o de Loures, às portas de Lisboa. Nessa câmara liderada pela CDU e pelo presidente Bernardino Soares, um destacado, conhecido e hábil militante do PCP, a maioria exerce-se com o apoio, aval e próxima colaboração do PSD através do pró-ativo Fernando Costa, o qual tem sido o pilar do exercício do poder comunista num concelho de grande importância.

Fernando Costa aterrou inopinadamente em Loures como candidato social- -democrata depois de ter largado as Caldas da Rainha, onde foi presidente durante o máximo de mandatos possível nos termos legais, andando desde a década de 70 na vida política, da qual sempre dependeu e por via da qual se reformou. Apesar de pouco ou nada ter a ver com Loures, a criatura, que se tornou notada pelas suas pantominices nos congressos do PSD, ali se apresentou e permaneceu nos últimos anos. Mas não vai ficar, estando agora surpreendentemente indigitado para candidato a Leiria, onde, segundo sondagens já feitas, o eleitorado não o reconhece e onde existem outros sociais-democratas com bem mais aceitação, como Barreiras Duarte.

Com Fernando Costa fica adquirido que haverá sempre uma vontade de se arranjar uma solução governativa camarária simpática e colaborante por parte de alguém com anos de estrada na vida política errante. Quiçá depois de uma passagem por Leiria não possa até haver uma hipótese para o candidatar a uma outra autarquia para lá do Marão ou até talvez na Madeira ou nos Açores.

É assim a vida política em todos os patamares, do mais alto ao mais pequeno. Feita de acordos e arranjos, de lógicas de sobrevivência imediata, de troca de apoios e de gestão de interesses comuns, conseguindo-se até, em casos extremos, transformar quem perde votações em vencedores de secretaria.

Leiria é o epicentro de uma região dinâmica mas que ainda precisa muito de se afirmar, sobretudo no plano das exportações, onde tem potencial para atingir um valor anual de pelo menos 7 mil milhões de euros. Mas tal não se consegue certamente com maus candidatos locais, a renovação de apostas falhadas e muito menos com a chegada de paraquedistas que poderão sofrer embates violentos ao aterrar.

2) As autárquicas são, em alguns casos, um mundo de confusão surreal e de contornos sinistros, como está à vista. Surgem candidatos que ninguém conhece e aparecem outros que se conhecem bem demais. Ele são Isaltinos, Narcisos e Raposos que ressurgem subitamente, enquanto, por exemplo, no Porto, o PS e o PSD foram deglutidos por um imparável Rui Moreira, cuja competência e carisma não se nega. Nas hostes sociais-democratas soma-se agora o problema de Coimbra, uma vez que o desejado Álvaro Amaro decidiu recandidatar-se à Guarda onde, num único mandato e depois de 40 anos de PS, procedeu a grandes transformações positivas, voltando a colocar a cidade no mapa em muitos aspetos – uma repetição em maior escala do que fez em Gouveia, a sua terra, que soube desenvolver.

3) O PCP, através da CDU, apresentou entretanto a candidatura a Lisboa de uma figura de referência. Trata-se de João Ferreira, atual vereador e eurodeputado, que já concorreu uma vez conquistando 10% dos votos. João Ferreira pode perturbar a marcha de Fernando Medina, que beneficia da circunstância de o Bloco ter feito o jeito de apresentar Ricardo Robles, objetivamente um anónimo. Apesar do carinho bloquista a Medina, a chegada de um candidato forte do PCP reforça a convicção de que Lisboa estava obviamente ao alcance do PSD, desde que em coligação com o CDS. Com Assunção Cristas, zangada com o PSD, já na estrada, e com o naipe de candidatos da esquerda, torna-se dificílimo a Passos Coelho encontrar uma figura de referência que avance. As que estão disponíveis não são estimadas por Passos e as que têm sido sondadas recusam e não têm peso. Quanto à hipótese de ser o próprio líder a candidatar-se, é claramente um desafio que ele rejeita, apesar de ter lógica dada a situação concreta decorrente de erros estratégicos sucessivos. No meio disto, Lisboa virou uma montra turística, cheia de oferta internacional, indiferenciada e incomportável para os locais. Qualquer dia, o dr. Medina vai ter de contratar figurantes para fazerem de indígenas nos nossos bairros mais típicos. Nada, aliás, que não aconteça já no estrangeiro. Depois, ainda dirão que se trata de novos postos de trabalho. “Lisboa não sejas francesa, tu és portuguesa” é realmente uma rima de um fado estranhamente atual.