Susana Peralta: “É evidente que a Segurança Social não pode ser só financiada pelos salários”

Susana Peralta: “É evidente que a Segurança Social não pode ser só financiada pelos salários”


Susana Peralta é professora associada na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa – Nova School of Business and Economics e doutorada em economia pela Universidade Católica de Lovaina. A sua área de especialização é Política Económica, Políticas Públicas e Teoria dos Jogos.


A sustentabilidade da Segurança Social e a sua capacidade de responder, de uma forma eficiente, aos desafios de uma economia europeia em crise prolongada – numa altura que as previsões do Banco de Portugal dão nota de uma pequena recuperação emprego –, são o ponto de partida para a conversa.

A actividade económica vai atingir nos próximos anos níveis anteriores aos da crise de 2008, no entanto, a recuperação do emprego vai ficar muito aquém, isso tem consequências para a Segurança Social?

O que diz o Boletim do Banco de Portugal é que quando nós compararmos as projecções económicas para 2019, com o nível que tínhamos de emprego em Portugal antes da crise, teremos perdido à volta de 430 mil postos de trabalho. Esta projecção negativa é em comparação ao ano de 2008, no triénio seguinte, o Banco de Portugal prevê um crescimento do emprego. O problema é que como temos acumulado tanto decréscimo, o crescimento do emprego que é modesto, com taxas anuais de 1 a 1,5% ao ano, não chega.

Isso tem impacte na Segurança Social?

Obviamente que sim. Tendo em conta que as receitas da Segurança Social são exclusivamente ligadas à remuneração do trabalho, sempre que se tiver a diminuir o peso deste na economia está-se a descapitalizar a Segurança Social e a colocar em risco o seu financiamento de dois lados: por um lado, da parte das receitas; e por outro lado, devido ao aumento das prestações sociais. O financiamento da Segurança Social depende do número de pessoas que trabalha, mas também do seu nível salarial – se houver ganhos de produtividade pode haver diminuição do número de trabalhadores que seja compensada pelo o aumento dos salários. Mas isto não está a acontecer, não existe aumento de salários que esteja a compensar a diminuição do número de trabalhadores no financiamento da Segurança Social.

Não há um aumento significativo de salários?

Não. Mais uma vez, reportando-me ao exercício do Banco de Portugal, a produtividade vai começar a aumentar em 2017, mas serão ainda ganhos de produtividade muito modestos.

E mesmo esses aumentos de produtividade não garantem aumentos equivalentes de salários: grande parte das políticas da troika baseia-se na chamada desvalorização interna que se apoia muito no corte dos salários reais, independentemente dos níveis de produtividade.

Normalmente, as quebras de salários têm sido acompanhadas por uma diminuição importante da produtividade. Quando olhamos, para além da conjuntura, para uma dimensão macro em ciclos maiores da economia, verificamos que os salários variam em relação à produtividade: com uma maior produtividade há um aumento dos salários. Mas a questão não se coloca actualmente, os ganhos de produtividade, que estão previstos em Portugal nos próximos anos, são muito modestos. Quando olhamos para o que aconteceu, verificamos uma diminuição do emprego acompanhado de uma estagnação salarial que leva a um problemas de receitas. A sustentabilidade é ainda agravada porque havendo desemprego há uma pressão para um aumento de despesas da Segurança Social. No entanto, devo dizer, mais uma vez reportando-me às projecções do Banco de Portugal e comparando 2008 com 2019, perdem-se 430 mil postos de trabalho, mas a taxa de desemprego é igual. Isso é, com a mesma taxa de desemprego verifica-se uma diminuição importante da população activa.

Para garantir que haja sustentabilidade da Segurança Social e ao mesmo tempo sejam atendidas o número crescente de pessoas que necessitam de apoios sociais, isso exige que haja uma mudança nas formas de financiamento do sistema que não seja apenas a contribuição dos salários dos trabalhadores?

Claramente, a mim parece-me bastante evidente que a Segurança Social não pode ser só financiada pelos salários, e há vários economistas que pensam como eu e outros que não pensam assim. A forma de nos adaptarmos às diferentes mudanças tecnológicas e ao movimento da globalização, que levaram nas últimas décadas à diminuição do peso do factor trabalho no rendimento total do país, é passar a diversificar o financiamento da Segurança Social, nomeadamente o capital.

Isso é muito importante, falando a um nível micro, fazer com que as empresas tenham menos incentivos para substituir trabalho por capital. Uma das razões que pesa no aumento do desemprego é as empresas terem mais incentivo a usar capital do que trabalho, porque o custo do factor capital tem mais facilidade em pagar menos impostos. No factor trabalho, quando olhamos para diferença entre o salário líquido que um trabalhador recebe e o salário bruto que é pago pela empresa, vemos que ele tem em cima impostos e os pagamentos da Segurança Social. Quando olhamos para o factor capital ele só tem impostos, logo aí a Segurança Social aumenta os custos do factor trabalho. A isso acresce que em relação ao capital a taxação efectiva, devido à circulação de capital numa economia globalizada, tem vindo a diminuir e incentiva as empresas a buscarem os factores de produção, em locais, que são mais baratos para elas.

Obviamente que colocar a contribuição para a Segurança Social em cima do factor capital é também uma forma de diminuir a discrepância entre os custos do factor capital e do factor trabalho para as empresas. Parece-me que este é o caminho a seguir. Por um lado, porque diminui os problemas de financiamento, por outro lado, dá o incentivo às empresas para não estarem a substituírem tanto trabalho por capital. Mas esta mudança da Segurança Social só é possível ser feita com vontade política, muita coordenação e consenso a nível internacional.

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