Media e justiça. As fugas, a falta de confiança e as culpas de ninguém

Media e justiça. As fugas, a falta de confiança e as culpas de ninguém


O ex-PGR Pinto Monteiro, o ex-bastonário dos advogados Marinho e Pintoe o ex-diretor da PJ Santos Cabral foram a Coimbra debater os problemas da relaçãoentre o jornalismo e a justiça – uma tensão que pode até fazer sentido


Até onde vai a liberdade dos jornalistas que acompanham os megaprocessos sob segredo de Justiça? E quais as consequências para os jornais da violação do segredo e os prejuízos para a investigação? O ex-Procurador Geral da República Pinto Monteiro, o antigo bastonário da Ordem dos advogados Marinho e Pinto e o ex-diretor nacional da Polícia Judiciária Santos Cabral estiveram este fim de semana no Instituto Jurídico da Comunicação, da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde deixaram claro que a liberdade de expressão e de informação não podem justificar tudo.

Para Pinto Monteiro o problema é complexo mas há uma conclusão que é clara: “Não há inocentes na violação do segredo de justiça. Todos dizem que são, mas ninguém é”.

 A conferência “Processos complexos, Casos mediáticos”, conduzida pelo docente da Universidade de Coimbra João Nuno Calvão da Silva e que contou com uma intervenção de Eduardo Oliveira e Silva, antigo diretor do i e da Agência Lusa, levantou ainda várias questões sobre o problema da concentração dos meios de comunicação social em poucos grupos.

A concentração dos media Foi Pinto Monteiro quem levantou o tema da concentração dos media em cinco grandes grupos. “É certo que a censura prévia instituída em Portugal em 1926 e que, com alguma liberalização em 1968, se manteve até ao 25 de Abril de 1974, teoricamente acabou. Mas a verdade é que uma análise desapaixonada e independente mostra que a censura em alguns casos existe sob formas mais discretas, mais subtis, porventura mais eficazes. Já não se censuram os boletins meteorológicos, como acontecia em tempos antigos, mas podem manipular-se opiniões e criar correntes de pensamento altamente influenciadas pelos que controlam meios de comunicação social”.

O também juiz conselheiro afirmou ainda que tal manipulação é muitas vezes aceite por jornalistas desses grupos por receio de serem despedidos. O antigo PGR também criticou o facto de a Justiça ter proferido nos últimos anos decisões muito diferentes no que respeita aos limites da liberdade de expressão, não tendo ajudado “na conflitualidade entre a comunicação social e a Justiça”.

Sempre em abstrato, referiu que se corre o risco de serem feitos julgamentos antecipados nos media e de com as notícias influenciar as investigações em curso.

A manipulação dos media, mas desta vez pelos agentes da Justiça foi também abordada por Marinho e Pinto, que comparou alguns julgamentos da atualidade ao de Jesus Nazareno. O antigo bastonário dos advogados defendeu, perante a plateia de alunos, que muitas vezes os megaprocessos deveriam ser divididos em vez de se agrupar toda a informação.

Evolução das relações O juiz conselheiro Santos Cabral começou por referir os problemas com que se depara a comunicação social – sobretudo a crise económica – e os que bateram à porta dos juízes, que têm cada vez menos competências em temas “realmente importantes para a res publica”. A tensão que existe atualmente, diz, nunca poderá ser anulada: “Em última análise as divergências resultam das funções diferentes que ocupam e não são negativas pois que a imprensa e a Justiça não são, nem podem ser, amigos”.

O antigo diretor da PJ dividiu a relação entre jornais e tribunais em três fases: a lua de mel, o período da desconfiança e o da crise entre a Justiça e a política, que considera ter começado com o chamado caso Casa Pia.

Sobre o estado atual da Justiça, o conselheiro considera que existem agentes do setor que tentam manipular a imprensa para criar uma opinião pública que lhe seja favorável. 

Terminou a sua intervenção, admitindo que a “incapacidade, ou a ineficácia, patenteada por tribunais, e polícias, na apresentação de resultados concretos na responsabilização criminal de quem age ilicitamente no exercício do poder, traduz-se já por um fenómeno de descrédito generalizado e de desconfiança no sistema de Justiça”.