Pedro Dias, o outro


Durante o sono escaparam-lhe outras notícias, arrumadas pelo meio daquela balada noticiosa do foragido e de outras parecidas. Mas também não perdeu grande coisa, tudo assuntos menores.


Pedro Dias, o herói desta crónica, não é suspeito de homicídio e não está a monte por veredas e bosques. É um tipo pacato, honesto e trabalhador que vive a sua vida e cumpre as suas rotinas. Uma delas é sentar-se em frente ao televisor todas as noites quando batem as 20 horas, porque gosta de estar informado. Não costuma ver o noticiário até ao fim, não só porque trabalha que se farta e costuma estar muito cansado àquela hora, mas também porque poucas pessoas aguentam os noticiários de hora e meia que temos neste nosso retângulo à beira-mar plantado – pequeno mas, pelos vistos, repleto de notícias, tantas que dão para noticiários de hora e meia e para várias estações de televisão a bombear notícias o dia todo.

O nosso Pedro Dias, nas últimas semanas, tem tido dificuldade em tomar conhecimento da variedade de acontecimentos do país e do mundo, porque a primeira meia hora dos noticiários tem estado muitas vezes dominada por um acontecimento de primordial importância: a fuga de Pedro Dias, o suspeito homicida de Aguiar da Beira. Todos os dias, Pedro Dias – o nosso, o outro – tem-se sentado em frente ao televisor, sendo ilustrado sobre temas tão candentes quanto os possíveis périplos do suspeito pelos bosques e montes, as emoções dos habitantes locais sobre o tema, a sujidade extrema ou não da roupa do suspeito e se mudou ou não de calças, a sua suposta ligação profunda com a natureza, os alegados vestígios da sua passagem por casebres e barracões, os mistérios da alimentação do foragido, o seu estilo de vida passado, a sua suposta psicologia, o que sentirão os bichos sobre o vilão em fuga, se terá ajudas ou não, se a mãe sente ou não a sua falta, se faz frio ou se chove, se o veículo era a gasóleo ou a gasolina, et cetera. Tudo pontuado por profundas reflexões de criminólogos e psicólogos – embora com uma falha grave na cobertura do evento, pois têm faltado os tarólogos, e era importante sabermos que arcano maior sai ao Pedro Dias, o verdadeiro, o herói da novela que apaixona a nação e, quiçá, o mundo. Será o Enforcado, o Eremita ou o Mago?

E o Pedro Dias – o nosso, o outro – tem acabado por adormecer ao fim de meia hora, vergado pelo cansaço e pela emoção que a saga do seu homónimo provoca. Tem acordado cerca de duas horas depois, quando já está a dar a telenovela ou o reality show, mas tem adormecido de novo, pois no seu cérebro cansado parece-lhe que só dormiu dez minutos, já que aquilo que vê quando acorda é muito parecido com a balada noticiosa do foragido. Durante o sono escaparam-lhe outras notícias, arrumadas pelo meio daquela balada e de outras parecidas. Mas também não perdeu grande coisa. Tudo assuntos menores, como as consequências das eleições nos Açores, os possíveis problemas na Tailândia e na região após a morte do rei, a instabilidade política espanhola, a questão síria, a questão presidencial americana, a Caixa Geral de Depósitos e, sobretudo, o Orçamento do Estado português para 2017. Miudezas. Durmamos, pois.

Escreve à sexta-feira


Pedro Dias, o outro


Durante o sono escaparam-lhe outras notícias, arrumadas pelo meio daquela balada noticiosa do foragido e de outras parecidas. Mas também não perdeu grande coisa, tudo assuntos menores.


Pedro Dias, o herói desta crónica, não é suspeito de homicídio e não está a monte por veredas e bosques. É um tipo pacato, honesto e trabalhador que vive a sua vida e cumpre as suas rotinas. Uma delas é sentar-se em frente ao televisor todas as noites quando batem as 20 horas, porque gosta de estar informado. Não costuma ver o noticiário até ao fim, não só porque trabalha que se farta e costuma estar muito cansado àquela hora, mas também porque poucas pessoas aguentam os noticiários de hora e meia que temos neste nosso retângulo à beira-mar plantado – pequeno mas, pelos vistos, repleto de notícias, tantas que dão para noticiários de hora e meia e para várias estações de televisão a bombear notícias o dia todo.

O nosso Pedro Dias, nas últimas semanas, tem tido dificuldade em tomar conhecimento da variedade de acontecimentos do país e do mundo, porque a primeira meia hora dos noticiários tem estado muitas vezes dominada por um acontecimento de primordial importância: a fuga de Pedro Dias, o suspeito homicida de Aguiar da Beira. Todos os dias, Pedro Dias – o nosso, o outro – tem-se sentado em frente ao televisor, sendo ilustrado sobre temas tão candentes quanto os possíveis périplos do suspeito pelos bosques e montes, as emoções dos habitantes locais sobre o tema, a sujidade extrema ou não da roupa do suspeito e se mudou ou não de calças, a sua suposta ligação profunda com a natureza, os alegados vestígios da sua passagem por casebres e barracões, os mistérios da alimentação do foragido, o seu estilo de vida passado, a sua suposta psicologia, o que sentirão os bichos sobre o vilão em fuga, se terá ajudas ou não, se a mãe sente ou não a sua falta, se faz frio ou se chove, se o veículo era a gasóleo ou a gasolina, et cetera. Tudo pontuado por profundas reflexões de criminólogos e psicólogos – embora com uma falha grave na cobertura do evento, pois têm faltado os tarólogos, e era importante sabermos que arcano maior sai ao Pedro Dias, o verdadeiro, o herói da novela que apaixona a nação e, quiçá, o mundo. Será o Enforcado, o Eremita ou o Mago?

E o Pedro Dias – o nosso, o outro – tem acabado por adormecer ao fim de meia hora, vergado pelo cansaço e pela emoção que a saga do seu homónimo provoca. Tem acordado cerca de duas horas depois, quando já está a dar a telenovela ou o reality show, mas tem adormecido de novo, pois no seu cérebro cansado parece-lhe que só dormiu dez minutos, já que aquilo que vê quando acorda é muito parecido com a balada noticiosa do foragido. Durante o sono escaparam-lhe outras notícias, arrumadas pelo meio daquela balada e de outras parecidas. Mas também não perdeu grande coisa. Tudo assuntos menores, como as consequências das eleições nos Açores, os possíveis problemas na Tailândia e na região após a morte do rei, a instabilidade política espanhola, a questão síria, a questão presidencial americana, a Caixa Geral de Depósitos e, sobretudo, o Orçamento do Estado português para 2017. Miudezas. Durmamos, pois.

Escreve à sexta-feira