“Descooperação”


Nos últimos tempos, nas missões de trabalho que tenho realizado aos países da CPLP (em concreto aos africanos), tenho reparado na ausência de cooperantes. Recordo-me de, há cerca de dez anos, não ser assim. Havia um elevado número de cooperantes portugueses por estas paragens. Notava-se a sua presença e nas mais diversas áreas, mas com…


Nos últimos tempos, nas missões de trabalho que tenho realizado aos países da CPLP (em concreto aos africanos), tenho reparado na ausência de cooperantes. Recordo-me de, há cerca de dez anos, não ser assim. Havia um elevado número de cooperantes portugueses por estas paragens. Notava-se a sua presença e nas mais diversas áreas, mas com a educação a dominar com larga margem. Eram às dezenas (se não centenas) de jovens professores a que se juntavam magistrados, conservadores, técnicos da segurança social e do trabalho, entre outros. Havia também um enorme frenesim no entra-e-sai de missões dos mais diversos setores. Frequentemente cruzava-me com dirigentes e técnicos de diferentes áreas da nossa administração pública. Foram, aliás, várias as vezes que aproveitava para (nas partidas ou nas chegadas) conversar com o meu amigo Manuel Correia (antigo presidente do extinto IPAD) e trocar com ele ideias que mais tarde viriam a materializar-se em ações concretas. Agora? Agora não se vê nada. Nem os cooperantes nem as missões. Os locais de encontro habituais onde outrora se juntavam os cooperantes e demais expatriados para matar saudades, trocar impressões ou simplesmente relaxar ou estão vazios ou são agora ocupados por outras nacionalidades. São os sinais da globalização, poder-se-á dizer. Mas não. As outras nacionalidades sempre por cá estiveram, a nossa é que tem vindo a desaparecer. Portugal tem vindo, ao longo dos últimos anos, a desinvestir na cooperação. É certo que a crise e os anos de austeridade recentes condicionaram a capacidade de execução mas, ainda assim, nada justifica o vazio deixado e o quase total abandono das tradicionais atividades de cooperação. Se não temos cão, cacemos com gato. Sejamos inventivos e pensemos estrategicamente. Esta ausência vai deixar sequelas por lá e em Portugal também. Os tempos mudaram e em Portugal deixámos de pensar estrategicamente sobre a cooperação (se é que alguma vez o fizemos). Para muitos, a cooperação é um fardo. É uma maçada. É quase que uma obrigação imposta pelos anos de exploração que o regime colonial impôs aos nossos principais parceiros de cooperação. Nada poderia estar mais errado. A cooperação mudou! E não foi agora. Tem vindo a mudar. Lembro-me claramente das discussões que tinha com o meu diretor de serviço da cooperação na justiça (o José Andrade, com quem muito aprendi e acho que ensinei alguma coisa). O desafio era sempre o mesmo: afastá-lo da cooperação mecânica que desempenhava e mostrar novos conceitos e abordagens. Em pouco tempo conseguimos um equilíbrio de sucesso. Hoje é um instrumento de trabalho e de promoção do investimento, com enormes vantagens se for séria e bem executada: cria valor, afasta a corrupção (ou pelo menos diminui-a) e protege a maior riqueza que temos no nosso país – a língua portuguesa. A cooperação é, ou pelo menos deveria ser, uma peça fundamental na estratégia de internacionalização portuguesa. A cooperação institucional pode abrir caminho e criar bases sólidas para o investimento privado de qualidade e institucionalizado. Nós precisamos, e estes países, estou certo, precisam e agradecem. Precisamos de voltar a pensar e ver a cooperação em Portugal como um instrumento estratégico para o desenvolvimento e crescimento económico, sob pena de hipotecarmos o futuro.