A cerimónia de tomada de posse dos 70 deputados do LegCo, eleitos há pouco mais de um mês, pressupunha que cada membro subisse ao palco para ler um juramento predefinido, autorizado pelo Partido Comunista Chinês. Um procedimento comum, nesta câmara de Hong Kong com poderes legislativos e orçamentais, onde a maioria dos deputados tem ligações com Pequim.
Mas a eleição inédita de seis representantes de uma nova geração, ligada aos protestos estudantis de 2014, que pugna por mais autonomia e defende posições próximas da independência para aquela região administrativa da China, ofereceu à cerimónia desta quarta-feira todos os ingredientes para uma fuga à normalidade.
O texto de tomada de posse era composto por 77 palavras e, em várias passagens, definia Hong Kong como uma “região administrativa especial da China”. Todos os novos deputados pró-democracia optaram por alterar o conteúdo do juramento, ao lerem-no em voz alta para a câmara. Uns recusaram-se a ler certas frases, outros substituíram-nas por termos mais próximos das suas convicções e alguns ainda pronunciaram determinadas palavras de forma cómica ou insultuosa.
Nathan Law, o líder estudantil do partido Demosisto, e uma das principais caras “da revolução dos guarda-chuvas”, começou o seu juramento com uma citação de Mahatma Gandhi: “Podem prende-me, podem torturar-me e podem até destruir o meu corpo. Mas nunca conseguirão aprisionar a minha mente”, proclamou, citado pelo jornal britânico “The Guardian”. E no momento em que teve de ler a palavra “China”, pronunciou a frase de forma a torná-la numa interrogação.
Houve quem fosse mais longe, ao ler o nome do país que detém o poder político sobre Hong Kong. Yau Wai-ching e Sixtus Leung – que manteve os dedos da mão direita cruzados durante o todo o tempo em que leu o juramento –, outros dois membros pró-democracia, pronunciaram a palavra “China” como “Zina”, uma forma pejorativa de se designar o país, utilizada pelos japoneses quando invadiram e ocuparam o território chinês, no final do século XIX. Yau ainda acrescentou uma palavra obscena pelo meio.
Ambos decidiram utilizar a expressão “nação de Hong Kong”, ao invés de “região administrativa especial da China” e levaram, para o para o palco, uma bandeira onde se podia ver escrita a frase “Hong Kong não é a China”.
Lau Siu-lai também quis ser original e leu o juramento de forma excessivamente lenta, demorando mais de 10 minutos para completar o pequeno texto. E Eddie Chu até leu todas as 77 palavras do juramento, mas no final exclamou para a audiência: “Democracia e auto-determinação. A autocracia vai morrer!”
Desde 1997 – o ano em que Hong Kong voltou a estar sob administração chinesa – que personalidades tão próximas de uma abordagem pró-independentista não eram chamadas pelo eleitorado a exercer cargos políticos na cidade. Os novos deputados ganharam visibilidade na chamada “revolução dos guarda-chuvas”, de 2014, que levou milhares de jovens estudantes a encherem as ruas de Hong Kong pedindo mais autonomia política e acusando Pequim de violar o acordo “Uma China, dois sistemas”, aquele que atribui àquele território um estatuto administrativo especial.