Madrugada de 20 de agosto, praia de Mohammedia, a menos de 30 quilómetros de Casablanca. A polícia marroquina interrompe os alegres espasmos de um casal no banco de trás de um veículo de alta cilindrada. Os cívicos de serviço apuram que o homem, Moulay Omar Ben Hamad, é casado, e que a mulher, Fatima Najjar, é viúva. Num país em que o adultério é punido pela lei, há matéria de facto para justificar um julgamento, já agendado para setembro (de 2016, querido leitor, de 2016, não estamos, felizmente, em Portugal).
Para quem não segue a atualidade do país, vale a pena dizer que Marrocos vive uma experiência política curiosa, com um governo cujo primeiro--ministro, Abdellilah Benkirane, do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD), defende a moralização das práticas e costumes, públicos e privados, em nome de uma visão conservadora do islão.
O PJD tem um braço religioso, o Movimento para a Unicidade e a Reforma (MUR), particularmente poderoso e retrógrado em matéria de costumes. Sempre que é preciso apoiar o governo de forma mais ruidosa ou forçar a agenda religiosa, o PJD recorre ao MUR. Moulay Omar Ben Hamad e Fatima Najjar eram, ao nascer do sol de 20 de agosto, vice-presidentes do MUR.
Moulay Omar Ben Hamad, casado e pai de sete filhos, é “docente de Estudos Islâmicos” e particularmente crítico dos desvios da moral alheia, tão graves como, exemplifica, “a troca de palavras de amor via Facebook”, um atalho para o adultério. Ao amanhecer na praia tentou corromper os polícias que tomaram conta da ocorrência, procurando que o auto de notícia não fosse escrito. No dia seguinte mudou de estratégia e passou a defender a existência de um “casamento consuetudinário” com a homónima da filha do profeta, esquecendo-se da proibição pela lei marroquina dos “casamentos consuetudinários” e da sua irrelevância à luz da definição de adultério. Com as eleições legislativas cada vez mais próximas, o PJD fez o que tinha a fazer e o MUR demitiu Moulay.
Fatima Najjar, viúva de um fundador do MUR e mãe de seis filhos, é uma pregadora nas várias aceções possíveis do termo. E uma pregadora de sucesso, com grande popularidade e maior influência, tendo-se especializado na educação das jovens marroquinas, alertando-as para os perigos de práticas tidas noutras paragens como insuspeitas, tais como o riso ou o sentarem-se nos lugares dos seus colegas do sexo masculino, e que, segundo Fatima, são o “início da fornicação”. Para que o leitor também possa aprender com Fatima, aqui vai o link para uma das suas “master classes” mais conseguidas, contendo nove minutos e 28 segundos de exercícios espirituais, conselhos de dedo em riste e vozinhas melífluas que penetram qualquer candidata a devassa: https: //www. youtube.com /watch?v= c4skmv 2XaR4
Marrocos possui uma elite de altos funcionários (diplomatas, serviços de informação, juristas e quadros técnicos) que se mantêm fiéis ao culto da excelência profissional e também ao rei. Constituem aquilo que, nos tempos modernos, não poderemos denominar como “a corte”, mas que em Marrocos se identifica como “le Palais”. Em 2011 a vitória do PJD nas urnas provocou grande inquietude no “Palais”. Não por acaso, queixa-se o PJD, os dois vice-presidentes do MUR foram apanhados em pleno delito de fornicação com eleições legislativas marcadas para outubro.
Sabedor da importância de ter como vizinho a sul um Estado funcional e moderado, garante das suas fronteiras e respeitador dos compromissos internacionais, só posso louvar a bondade da atuação daqueles que souberam prevenir maior contaminação dos costumes e da moral pública. Bem hajam.
Escreve à sexta-feira