Diz que esta não é Europa que ambicionou e que apoiou quando Portugal aderiu ao projeto europeu. E que o continente vive entre a contradição de uma política de imigração com base no pilar exclusivamente securitário, em vez de apostar em politicas de integração.
Como vê o atual momento do projeto de construção europeia?
A nossa Europa parece-se cada vez mais com o tempo do declínio do império romano do Ocidente. Em muitos domínios há Europa a menos, noutros, Europa a mais. Vivemos sobre a força do pior do capitalismo, mas também sob o pior do laicismo.
Isso quer dizer…
Que nos últimos anos se chamou a atenção sobre o excesso de influência dos mercados e do controlo das finanças públicas, sobretudo a Norte do continente, mas também houve sinais e alertas para esta Europa por não estar a ser fiel aos seus valores tradicionais. Prova disso foi não ter conseguido consensualizar a inclusão na constituição europeia do reconhecimento da nossa herança humanista e cristã.
Mas até onde chega esse viver sob o pior do laicismo?
Quer um exemplo? O caso francês, um dos países estruturais do projeto europeu. Ali, parece que ser-se religioso é viver um pouco às escondidas. Retiraram-se crucifixos de serviços e instituições públicas e proibiu-se o uso do véu. O território europeu é cada vez mais, à escala mundial, aquele em que a prática religiosa tem tido mais problemas.
Mas acredita que haverá uma solução ou o projeto europeu pode perder-se?
A Europa vive momentos muito complicados, contraditórios. E precisa de mudar. Não tem liderança. É um gigante económico com pés de barro. É cada vez mais um anão político num mundo cada vez menos ocidental e cada vez mais cansado do excesso da unipolaridade europeia e ocidental.
A Europa já cansa, é isso?
A Europa vive um compasso de espera. As instituições dão sinais de não saber interpretar devidamente as expectativas dos cidadãos, como a criação de emprego e a consciência de uma identidade europeia. Há a perceção de que estão longe das pessoas. É preciso de mudar. O mundo está cansado da Europa. Cansado de alguma unipolaridade europeia e ocidental, do excesso de poder normativo europeu e ocidental.
Cometeram-se assim tantos erros?
No domínio das relações externas e das políticas de asilo, imigração e refugiados sim. Vejam-se as respostas tardias à crise ligada ao conflito entre a Ucrânia e a Rússia, a leste, e a forma desordenada como geriu a instabilidade causada pelos conflitos no médio oriente e norte de África.
Essas más notícias são culpa…
Muita dessa responsabilidade é dos europeus. Em matéria de migrações, a Europa não teve coragem, na última década, de ter uma política comunitária uniformizada para todo o território europeu tendo em conta que precisa cada vez mais de pessoas.
Precisa mesmo?
Há 198 países e mais de sete mil milhões de pessoas… e a Europa é o território do mundo em maior perda demográfica. E que faz? Não quer priorizar políticas de captação de pessoas de outros territórios. Continua a viver entre a contradição de uma política de imigração com base no pilar exclusivamente securitário, em vez de apostar em politicas de integração.
Nesta matéria, Portugal tem sido elogiado.
Sim, sim. Portugal é o segundo país do mundo com melhor política de imigração, de integração. Só é ultrapassado pela Suécia. Há falta de uma política pública comunitária nesta matéria, que pudesse ser aplicada, de forma direta, em todo o território. Se isso tivesse acontecido o continente já teria conseguido ultrapassar muitos desses problemas.
Como olhar então para imigração?
Sei que o que vou dizer não dá votos no curto prazo (em Portugal e em outros países). Mas a imigração tem de ser considerada não como um problema, mas como uma oportunidade. A Europa não pode transformar-se num museu ao ar livre para asiáticos ou cidadãos de outros continentes virem visitar.
E a natalidade?
O inverno demográfico só será temperado se conseguirmos compatibilizar políticas de natalidade internas, mas também a captação de cidadãos oriundos de outras zonas do mundo para nos ajudarem a temperar a perda demográfica que temos sentido. Quer um bom exemplo, não exclusivo de Portugal? Nos últimos 15 anos as taxas de natalidade nas regiões de Lisboa e Algarve foram superiores à média nacional devido aos chamados casamentos mistos.
Mudando para um tema que também o tem ocupado. A comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Qual a importância desta organização para o posicionamento de Portugal no mundo?
Valorizo muito a importância da CPLP. Portugal, além pilar europeu, deve apostar num triângulo estratégico que abarque não só Europa, mas também a CPLP e a lusofonia, sem esquecer a sua vocação atlântica, a norte e a sul.
De que forma pode esse triângulo estratégico ajudar na afirmação do país?
Quando conseguirmos mostrar a nossa vocação e, ao mesmo tempo, a nossa importância. Se isso acontecer não tenho dúvidas de que conseguiremos ser melhor ouvidos e respeitados na Europa. A mais-valia passa, precisamente por conseguir aprofundar esse triângulo estratégico.
Mas isso é um dom dos portugueses?
Não, é a vocação universalista de um povo com nove séculos, que sempre conseguiu estabelecer relações com povos de vários continentes. Por isso não podemos ficar exclusivamente reduzidos ao projeto europeu. É importante saber fazer com que os europeus percebam que nosso desígnio não se esgota exclusivamente na Europa.
Vamos caminhar até à atualidade nacional. Primeira sessão legislativa sob o signo da chamada geringonça. Como o avalia?
Os portugueses vão ter o momento certo para fazer essa avaliação. Para quem está no parlamento e para quem estuda o fenómeno político cada dia que passa começa a ser cada vez mais percetível que esta experiência governativa – a geringonça – tem contribuído significativamente para um conjunto de decisões que não são boas para Portugal e os portugueses.
Mas, aparentemente, assistiu-se a uma governação tranquila, sem grandes sobressaltos?
Vamos ver até quando é que, mesmo com alguma capacidade – há que reconhecê-lo – para ultrapassar algumas divergências, este projeto político alicerçado exclusivamente na manutenção do poder e num conjunto de eleitores que vivem do Estado e para o Estado consegue que este governo se mantenha em funções.
O PS em geral, e o primeiro-ministro em particular, parecem ter a ação governativa estabilizada.
Vivemos prisioneiros de uma agenda ideológica que o próprio PS não controla, sendo este o único partido que formalmente está no governo. O que hoje temos é uma deriva parlamentar de conveniência, por parte sobretudo do BE e do PCP, que nesse domínio, diria, quase já perderam a sua virgindade governativa.
E o presidente Marcelo Rebelo de Sousa?
Neste domínio ainda bem que temos o Presidente da República que temos. Veio introduzir aqui um mecanismo, um equilíbrio no exercício das várias funções de soberania, designadamente a função política, que é a mais nobre. No essencial, tem cumprido bem o mandato.
Notou-se muito a diferença para o anterior chefe de Estado?
É uma pessoa diferente e isto não é uma crítica ao anterior Presidente. É uma pessoa mais próxima, igual a si próprio. Gosta de estar junto das pessoas, compreender os seus problemas, estar sintonizado com as legítimas expectativas. Se viermos a ter problemas no futuro, esse poder dos afetos que cultiva vai ser muito importante para tomar decisões. Ele vai ser o garante do funcionamento regular das nossas instituições.
Tutelou entre 2011 e 2013 a área da comunicação social. Como vê o setor a esta distância e as constantes dificuldades que atravessa?
Os velhos e novos media são instrumentos decisivos para a qualidade da democracia. Isso está consagrado constitucionalmente – a liberdade de informação e de opinião -, e esses valores só são possíveis de ser cumpridos se tivermos uma comunicação social independente que privilegie verdades que incomodam, em detrimento das mentiras que encantam.
Preocupa-o o desaparecimento de títulos devido ao estrangulamento económico?
Cada dia que oiço que poderemos perder mais um jornal ou uma rádio fico preocupado. Isso são sinais de enfraquecimento da democracia. A comunicação social é um instrumento para o escrutínio da atividade pública e também um instrumento de promoção do desenvolvimento económico, social e cultural.
Há soluções?
Nesse domínio defendo que à semelhança do que aconteceu noutros países da nossa dita Europa – e não digam que à luz dos atuais tratados não é juridicamente possível -, em Portugal já devíamos ter criado um mecanismo de apoio financeiro para reconversão tecnológica e modernização de jornais e revistas, assim como apoio à contratação de jornalistas e de formação.
2017 é ano de eleições autárquicas. Para o PSD ganhar é?
Ganhar é voltar a liderar a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE). Isso quer dizer que teremos o maior número de municípios e de juntas de freguesia.
Qual a importância deste ato eleitoral?
É importante não só para o PSD, mas para o país. É o momento para introduzir uma nova fórmula de fazer a gestão do território, do ponto de vista autárquico. Sou hoje mais regionalista e municipalista do que era. Continuamos a ter uma arquitetura jurídico-administrativa excessivamente centralizada. Há vários terreiros do paço espalhados por Portugal.
E essa nova fórmula assenta em que pressupostos?
O modelo que apostou nas infraestruturas está esgotado. Temos de passar para a autarquia de desenvolvimento. Os autarcas são agentes da mudança. Têm de captar mais investimento para os municípios. Os autarcas, na prática, têm de ser verdadeiros ministros dos negócios estrangeiros, num território que tem muitas disparidades entre o litoral e o interior, norte, centro ou sul.
O PSD tem “generais” para esse combate político?
Seguramente. Não escondo que a importância das próximas eleições autárquicas deve levar dirigentes e militantes com provas dadas nos domínios profissional, político ou governativo a disponibilizarem-se para dar a cara, encabeçando candidaturas autárquicas do PSD em vários pontos do país. É um desafio que todos nos temos de aceitar.