Gastão Elias é atualmente o número 61.º do ranking ATP. Para lá chegar foi preciso bater alguns recordes pessoais: passar pela primeira vez uma meia-final de um torneio ATP 250 em Bastad, na Suécia, derrotando o compatriota João Sousa, e repetir o feito emUmag, na Croácia, onde venceu pela primeira vez um jogador do top-20, o uruguaio Pablo Cuevas (agora 21.º). Tudo no espaço de um mês, mais concretamente em julho passado. O tenista natural da Lourinhã tem pela frente o maior desafio da sua carreira até agora: ir comJoão Sousa aos JogosOlímpicos (JO) do Rio de Janeiro, algo que nunca tinha acontecido na história do ténis português. Partiu no passado domingo, com as cores nacionais e do Sporting, para uma terra que conhece bem, pois treinou lá durante quatro anos, e de que gosta muito. Para além da ligação especial com a cidade, tem namorada brasileira, e foi treinado por Jaime Oncins, antiga estrela do ténis do país. Razões suficientes para acreditar que tudo irá correr bem.E se houver medalhas? Irá festejar “à portuguesa e à brasileira”, já que só à maneira da terra do samba seria “um pouco agressivo”.
O Gastão entrou recentemente no top-70, vai estrear-se nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Acha que está no melhor momento da sua carreira aos 25 anos?
Sim, sem dúvida. Atingi o melhor ranking da minha carreira e a minha melhor vitória em termos de ranking, vencendo um jogador do top-20. Atingi também duas meias-finais de torneios ATP, portanto sim.
Nos quartos-de-final do torneio da Suécia venceu ao João Sousa. É estranho ganhar a um compatriota?
Estamos habituados a isso, ainda por cima já nos conhecemos há muito tempo. Já jogámos mais de vinte vezes um contra o outro, incluindo nos juniores. O nervosismo talvez seja um pouco diferente dos outros jogos, mas a partir do momento em que começamos a jogar isso fica posto de lado. E naquele momento só pensamos em ganhar ao adversário que está do outro lado da rede.
Esta ida com o João aos Jogos, que é história pois nunca tivemos dois atletas a competir no quadro individual, já foi um assunto comentado pelos dois, de certeza.
Sim, sim. Temos falado bastante até porque o Frederico Marques, treinador dele, vai como treinador de ténis. Portanto temos mantido muito o contacto e temos falado bastante. Também sobre a organização e a logística toda. Nas últimas semanas, tivemos a competir juntos praticamente todos os dias. Estamos muito contentes os dois por poder ao fim de tantos anos, depois de termos passado por várias etapas juntos, vamos ter a oportunidade de competir como parceiros e representar Portugal.
E falando agora do Rio’16, de certeza que tem estado atento às várias notícias , muitas delas negativas, relacionadas com as infraestruturas, com o vírus Zika ou até com a segurança na cidade que será palco deste evento desportivo. Como é que tem olhado para tudo o que está a acontecer a uma semana de começar?
Sinceramente não estou muito preocupado, nem estou a dar muita importância ao que se passa. Acredito que vai estar tudo a funcionar como deve ser. E vai ser um momento especial por ser um país em que se fala português. Vai correr tudo bem.
Tem sido um verão positivamente atribulado para o Gastão. A notícia mais recente foi ter assinado pelo Sporting. Era um desejo seu?
Sim, já tinha pensado nisso. Sempre tive um sonho de poder representar o clube que sou desde pequeno. E agora tenho essa oportunidade. Sinto-me honrado por isso e pela confiança que o Sporting tem em mim e pelo apoio que me vão dar daqui para a frente.
Alguém lhe perguntou, por brincadeira, se o Elias ia assinar como jogador de futebol?
[risos] Sim, sim, perguntaram.
Se calhar até lhe disseram para substituir algum jogador no plantel verde e branco , a pré-época não está a correr muito bem…
Pois… [risos] não sei se em termos de habilidade futebolística tinha lugar. Uma coisa que posso garantir é que sou bastante rápido e talvez a velocidade pudesse ajudar. Em relação ao futebol, não sou mau, sei jogar, mas não estou perto do nível dos nossos jogadores.
Nestes Jogos, quem é que gostava de defrontar?
Gostava muito de defrontar o Roger Federer enquanto ele está no ativo, mas agora que não vai estar noBrasil, talvez outros jogadores de topo: o Novak Djokovic ou o Rafael Nadal por exemplo, mas sei que jogar contra um desses será complicado depois para ultrapassar essa ronda. Portanto seria bom jogar com eles o mais tarde possível [risos].
Qual seria um bom resultado?
Um ótimo resultado seria conseguir uma medalha. Mas não sei qual será um bom resultado. O quadro é de 74 tenistas , ou seja é grande. Passar duas ou três rondas, já seria uma semana bastante positiva.
Mas independentemente dos resultados que o Gastão obtenha nestas olimpíadas, depois não vai querer abrandar o ritmo. Há a qualificação para o Masters de Cincinatti a seguir. Oobjetivo passa por tentar entrar no top-50 antes do fim do ano?
Sim, embora não pense muito em rankings porque os meus objetivos não são definidos por isso. Prefiro cimentar aspetos tenísticos. Agora que estou perto do top-50 adoraria entrar ainda este ano, mas não me foco nisso. Não me concentro em pontos, nos que posso ganhar, nos que posso defender ou que ranking posso subir. Concentro-me mais no trabalho que tenho feito dia-a-dia, que até agora é a melhor forma de pensar e que é o que eu sempre tenho feito. Tem dado algum resultado.
Já tinha estado no Brasil anteriormente?
Sim, vivi lá quatro anos. Joguei várias vezes no Rio deJaneiro, o meu primeiro título num torneio challenger foi lá.
Quando foi?
Foi em 2012, por acaso até joguei com o João Sousa, se não me engano, na meia-final, e com o Frederico Gil nos quartos-de-final.
Então é bom regressar a uma cidade onde foi feliz?
Sim, e ainda recentemente joguei o ATP 500 e também fiz um bom resultado, passei a fase de qualificação, e depois perdi na primeira ronda, mas foi positivo. Eu adoro jogar no Rio de Janeiro e no Brasil.
Porque é que adora?
Tenho uma ligação especial por ter vivido lá. O meu ex-treinador, oJaimeOncins, é brasileiro, e é uma pessoa muito querida, esteve no top-30 do ranking. É uma pessoa que foi de certa forma importante para o ténis no país, e o povo brasileiro tem carinho por ele. Eu acho que ao treinar com ele, as pessoas criaram uma certa empatia comigo. Os brasileiros sempre me desejaram um grande sucesso. Depois a minha namorada é brasileira e a mãe dela também representou o Brasil nos Jogos, chegou a estar no top-100 do rankingATP. Portanto dou-me muito bem com o povo brasileiro.
Então a sua família vai estar um pouco divida quando o torneio de ténis começar ou não?
Não! Zero divididas! Elas querem que eu ganhe não é? Mesmo que seja contra um brasileiro. Eu já sou praticamente da família. [risos]
Tal como disse, treinou no Brasil e também na Florida. Pensa algum dia “assentar” em Portugal?
Eu jogo por volta de trinta torneios por ano, ou seja, trinta semanas a jogar e mais algumas semanas de treino fora de Portugal, o que torna difícil “assentar” no meu país. Não sei, eu tento nestes torneios de verão, no Roland Garros e noutros torneios de terra batida/piso rápido jogados na Europa, vir o máximo que posso a casa. Mas tirando esse período é difícil passar algum tempo aqui.
E de todos esses locais onde treinou, qual foi aquele que contribuiu mais para o que é hoje como tenista?
Treinei quatro anos na Florida e outros quatro no Brasil. Na Florida existem as melhores infraestruturas e tudo funciona melhor. Não faltam condições de treino, têm ginásios espetaculares que poucos lugares possuem. Foi até hoje o melhor local de treino em que estive. No Brasil também foi bastante bom, têm diversos parceiros na América do Sul e aperfeiçoei mais o meu ténis de terra batida. Porque até lá grande parte da minha vida treinei só em piso rápido.
Esses dois sítios fizeram com que se tornasse mais completo, então.
Sim, foi uma mistura dos dois.
Mudando para assuntos mais sérios que estão a “abanar” o mundo desportivo este ano.Primeiro foi o escândalo dos esquemas de resultados combinados no ténis no início de 2016, agora o esquema de doping naRússia, que ditou a exclusão de muitos atletas russos. . Como é que tem acompanhado tudo isto como atleta?
Tenho uma visão muito simples sobre isso. A partir do momento em que não há justiça no desporto, as pessoas envolvidas têm de ser punidas. Não tenho informações suficientes para poder incriminar este ou aquele, simplesmente vejo o que se passa pela televisão. E às vezes nem sempre o que se passa é 100% correto. Mas tenho essa opinião, se fizeram algo têm de ser punidos. E quando envolve doping nunca é demais, para mim.
Não há segundas oportunidades para quem faça truques, portanto. Por outro lado, o Gastão ganhou uma alcunha, “o Mágico”. O que é que significa?
Sim [risos], foi uma brincadeira na Taça Davis em Portugal o ano passado. Perguntaram-me o que é que achava das expectativas da partida em que eu e o João Sousa íamos jogar em pares. Eu, na brincadeira, disse para ficarem tranquilos que eu iria espalhar magia. Acharam engraçado, pegaram nisso e passaram a apresentar-me dessa forma. E assim ficou, praticamente em todo o lado sou conhecido dessa forma.
Se “espalhar magia” no Rio deJaneiro, vai festejar à moda brasileira ou à moda portuguesa?
Uma mistura da portuguesa com a brasileira, porque só a brasileira é muito agressivo {risos].