O Kosovo nem sequer é reconhecido nos Jogos Olímpicos pelo país anfitrião, o Brasil. O pequeno território, cuja etimologia sérvia quer dizer melro preto, aparece como uma mancha negra no meio de imenso branco que é o silêncio sobre a questão política kosovar.
Desde 2008 que o território dos Balcãs é apenas reconhecido como um país independente por cerca de metade dos países-membros da ONU (incluindo Portugal, EUA, Japão, França, Reino Unido e Alemanha), enquanto outra parte quase idêntica, que inclui a Rússia, China, Brasil, Espanha, Angola e Moçambique, não reconhece direitos ao território que o governo sérvio reivindica como parte integral da Sérvia. É no meio desta luta que aparece Majlinda Kelmendi.
Quando a judoca caiu sobre os seus joelhos e as lágrimas começaram a rolar pela sua cara, foi muito mais do que a tensão típica do lutador no final de um combate a soltar-se. Foi um momento de afirmação para os 1,8 milhões de kosovares. Apenas oito anos depois da declaração de independência da Sérvia, o Kosovo já pode reclamar a primeira medalha de ouro olímpica – isso e assistir à sua bandeira a subir ao mais alto da haste, símbolo maior do desporto.
Kelmendi já era a menina de ouro do judo, agora tem uma medalha a condizer. Fez história no Rio de Janeiro. Aos 25 anos, derrotou na final -52 kg a italiana Odette Giuffrida. Era o pódio que faltava à bicampeã mundial e tricampeã europeia desde 2013. Foi a primeira vez que uma atleta do Kosovo pode competir sob a sua bandeira. Foi ela a porta-estandarte na Cerimónia de Abertura, encheu o Maracanã, pequena mas com o peso de uma nação.
“Foi enorme”, disse após secar as lágrimas e agarrada ao seu treinador. “Foi enorme não apenas para mim mas para o Kosovo”. A Sérvia deu instruções aos seus atletas para não participarem na cerimónia das medalhas se houver algum kosovar no pódio.
Nascida em 1991 e criada durante a guerra do Kosovo, a judoca subiu a Arena Carioca 2 e desceu do tatami para entrar diretamente na história do desporto e da política. O Kosovo foi aos Jogos do Rio porque viu a sua entrada ser aceite pelo Comité Olímpico Internacional (COI) em 2014 – seguiram-se as federações da FIFA e da UEFA. Foi sob esse contexto que Kelmendi abriu o coração.
Sometimes sports is more than sports!#MajlindaKelmendi just made an entire nation proud&motivated to do better! pic.twitter.com/HYTKB4dpEH
— Vlora Çitaku (@vloracitaku) August 7, 2016
“Este ouro significa muito para o Kosovo. Não apenas para o desporto, mas também para o país. Sou uma sobrevivente de guerra, assim como o é o meu povo. Várias crianças do Kosovo perderam os seus pais. Muitas crianças não têm livros para ir para uma escola. E eu tornei-me campeã olímpica vinda desse país. Mesmo sem dinheiro, mesmo sem estrutura podemos acreditar em nós mesmos e trabalhar muito duro para conseguir atingir os nossos sonhos”, desabafou a judoca, que representou a Albânia nos Jogos de Londres 2012, mas aí, ainda como albanesa, não conseguiu passar da segunda ronda.
We've never been able to show our talent, now we're independent we can! Go #MajlindaKelmendi we're rooting for you 💙 pic.twitter.com/yRrqJvkjlY
— Rita Ora (@RitaOra) August 8, 2016
Agora a história mudou. Kelmendi foi arredando as principais rivais da luta pelo ouro. A final apenas a consagrou, ela que era favorita. Agora campeã olímpica, é mais do que nunca uma heroína de Kosovo. “Eu não sei se vou ficar mais famosa e nem quero saber disso, mas o mundo vai respeitar-me muito mais, porque esse é o primeiro ouro do Kosovo, da Albânia ou de quem fala albanês. Eu não quero ficar rica ou famosa, eu luto porque amo lutar e quero encher de orgulho o meu país”, disse Kelmendi, que luta pelas crianças que a tratam como heroína, crianças como ela que tiveram que sobreviver aos horrores da guerra.
Suspensa em França
Mas a vida de Kelmendi muda em França, onde está suspensa provisoriamente depois de ter recusado submeter-se em junho a um controlo antidoping. De acordo com as agências internacionais, a nova campeã olímpica da categoria de -52 kg, Majlinda Kelmendi, foi suspensa pela Agência Francesa Antidoping (AFLD) a 16 de junho.
Aconselhada pelo seu treinador, Kelmendi recusou fornecer uma amostra de urina quando surpreendida durante um treino internacional com um controle antidoping inopinado em França. A suspensão aplica-se apenas em França e a AFLD tomará uma decisão em relação ao assunto em setembro.