A hipocrisia contra o Brexit


Um deputado propôs ignorar o referendo, reclamando o poder do parlamento. Não é só uma falta de respeito pela escolha democrática dos britânicos. É um hino à incoerência


Numa aldeia, um rapaz faz anos. O rapaz recebe um cavalo como prenda. A aldeia rejubila e um ancião diz: “Veremos.” O rapaz cai do cavalo e parte uma perna. A aldeia entristece-se e o ancião diz: “Veremos.” A guerra chega e o rapaz não tem de lutar porque tem a perna partida. A aldeia rejubila e o ancião diz: “Veremos.”

O Reino Unido optou por sair da União Europeia. Antes de escorraçar a escolha democrática dos britânicos e congeminar previsões catastróficas, talvez fosse boa ideia pensar: “Veremos.”

Especialistas em diplomacia como Lívia Franco preocupam-se com as consequências que o Brexit terá no equilíbrio de poder ocidental. Célebres europeístas como Paulo de Almeida Sande preocupam-se com as consequências que a falta de integração na UE terá na resolução das problemáticas dos refugiados e do terrorismo.

Estas preocupações não devem ser descartadas e fazem parte da conversa fundamental que os europeus devem estabelecer entre si, em prol da preservação de um espaço de liberdade, segurança e justiça.

Há, todavia, uma maré de hipocrisia na classe política britânica a reagir ao sucedido.

Um deputado propôs ignorar o referendo, reclamando o poder do parlamento. Não é só uma falta de respeito pela escolha democrática dos britânicos. É um hino à incoerência. A mesma esquerda que elegeu Jeremy Corbyn através de novos simpatizantes, e não com os seus militantes de base, deseja agora socorrer-se das instituições que o seu líder despreza. Daí a revolta no Partido Trabalhista a seguir ao Brexit. A lógica contranatura da participação acima da representação está a ser rejeitada. Lamentavelmente, precisaram de sair da UE para se revoltarem contra um líder antissemita.

Na Londres cosmopolita há também trabalhistas que clamam por repetir a votação. Segundo estes, não é justo que as gerações mais velhas, das zonas rurais e operárias, tenham decidido o seu futuro. Esquecem-se que o princípio da democracia é que todos os votos valem o mesmo, independentemente do sexo, sexualidade, religião ou ascendência. É criminoso diminuir o voto de quem tem o dobro dos anos de participação cívica e impostos pagos. Aqueles que acusam os mais velhos de separatismo usam um argumento que divide o país em faixas etárias. Aqueles que se dizem de esquerda atacam o eleitorado das áreas industriais. Aqueles que exigem a pertença europeia renegam a pertença britânica.

A terceira falácia em que incorrem é acusarem a campanha que ganhou de prometer coisas que não poderá cumprir. Gostava que alguém me apontasse um vencedor de eleições que cumpriu tudo o que prometeu.

Estas pessoas culpam David Cameron, o primeiro-ministro demissionário, por ter deixado o povo escolher e esquecem que Corbyn recusou fazer campanha ativa pelo “remain”.

É claro que a campanha de Cameron teve defeitos. Foi um erro pedir a Obama – que viu basebol e dançou tango enquanto terroristas se faziam explodir na Europa – para apelar ao “remain”. Historicamente, os ingleses simplesmente não gostam que os chateiem e eu creio que, mais do que a fobia à imigração, foi isso que se passou.

Podemos discutir os perigos históricos e políticos que os referendos representam, mas antes de decidirmos fazê-los, não depois de não gostarmos dos resultados. A realização do referendo estava no programa do Partido Conservador, que foi eleito com maioria absoluta em 2015; logo, a consulta foi popularmente legitimada.

Alexandra Lucas Coelho escreve no “Público” que o Brexit é fascista. E eu a pensar que tinham sido 18 milhões de pessoas a votar em liberdade. Devemos ter conceções diferentes de fascismo. É melhor alguém chamar o José Rodrigues dos Santos. A ver se ele nos esclarece. 


A hipocrisia contra o Brexit


Um deputado propôs ignorar o referendo, reclamando o poder do parlamento. Não é só uma falta de respeito pela escolha democrática dos britânicos. É um hino à incoerência


Numa aldeia, um rapaz faz anos. O rapaz recebe um cavalo como prenda. A aldeia rejubila e um ancião diz: “Veremos.” O rapaz cai do cavalo e parte uma perna. A aldeia entristece-se e o ancião diz: “Veremos.” A guerra chega e o rapaz não tem de lutar porque tem a perna partida. A aldeia rejubila e o ancião diz: “Veremos.”

O Reino Unido optou por sair da União Europeia. Antes de escorraçar a escolha democrática dos britânicos e congeminar previsões catastróficas, talvez fosse boa ideia pensar: “Veremos.”

Especialistas em diplomacia como Lívia Franco preocupam-se com as consequências que o Brexit terá no equilíbrio de poder ocidental. Célebres europeístas como Paulo de Almeida Sande preocupam-se com as consequências que a falta de integração na UE terá na resolução das problemáticas dos refugiados e do terrorismo.

Estas preocupações não devem ser descartadas e fazem parte da conversa fundamental que os europeus devem estabelecer entre si, em prol da preservação de um espaço de liberdade, segurança e justiça.

Há, todavia, uma maré de hipocrisia na classe política britânica a reagir ao sucedido.

Um deputado propôs ignorar o referendo, reclamando o poder do parlamento. Não é só uma falta de respeito pela escolha democrática dos britânicos. É um hino à incoerência. A mesma esquerda que elegeu Jeremy Corbyn através de novos simpatizantes, e não com os seus militantes de base, deseja agora socorrer-se das instituições que o seu líder despreza. Daí a revolta no Partido Trabalhista a seguir ao Brexit. A lógica contranatura da participação acima da representação está a ser rejeitada. Lamentavelmente, precisaram de sair da UE para se revoltarem contra um líder antissemita.

Na Londres cosmopolita há também trabalhistas que clamam por repetir a votação. Segundo estes, não é justo que as gerações mais velhas, das zonas rurais e operárias, tenham decidido o seu futuro. Esquecem-se que o princípio da democracia é que todos os votos valem o mesmo, independentemente do sexo, sexualidade, religião ou ascendência. É criminoso diminuir o voto de quem tem o dobro dos anos de participação cívica e impostos pagos. Aqueles que acusam os mais velhos de separatismo usam um argumento que divide o país em faixas etárias. Aqueles que se dizem de esquerda atacam o eleitorado das áreas industriais. Aqueles que exigem a pertença europeia renegam a pertença britânica.

A terceira falácia em que incorrem é acusarem a campanha que ganhou de prometer coisas que não poderá cumprir. Gostava que alguém me apontasse um vencedor de eleições que cumpriu tudo o que prometeu.

Estas pessoas culpam David Cameron, o primeiro-ministro demissionário, por ter deixado o povo escolher e esquecem que Corbyn recusou fazer campanha ativa pelo “remain”.

É claro que a campanha de Cameron teve defeitos. Foi um erro pedir a Obama – que viu basebol e dançou tango enquanto terroristas se faziam explodir na Europa – para apelar ao “remain”. Historicamente, os ingleses simplesmente não gostam que os chateiem e eu creio que, mais do que a fobia à imigração, foi isso que se passou.

Podemos discutir os perigos históricos e políticos que os referendos representam, mas antes de decidirmos fazê-los, não depois de não gostarmos dos resultados. A realização do referendo estava no programa do Partido Conservador, que foi eleito com maioria absoluta em 2015; logo, a consulta foi popularmente legitimada.

Alexandra Lucas Coelho escreve no “Público” que o Brexit é fascista. E eu a pensar que tinham sido 18 milhões de pessoas a votar em liberdade. Devemos ter conceções diferentes de fascismo. É melhor alguém chamar o José Rodrigues dos Santos. A ver se ele nos esclarece.