Meditando no Brexit à procura da razão de ser do sucesso da Europa judiciária


A preocupação com o entendimento da razão de ser das soluções judiciárias, que os países soberanamente foram desenvolvendo ao longo da sua história, tem sido uma importante ferramenta para sedimentar a confiança mútua entre sistemas de justiça e magistraturas na Europa.


Não foi devido ao resultado do referendo britânico sobre a permanência na União Europeia, embora pudesse ter sido. Na verdade, havia já pensado escrever sobre este assunto.

Refiro-me à forma como os diferentes sistemas de justiça criminal dos países europeus – os que compõem a União Europeia, mas não só – têm sido capazes de desenvolver instrumentos e estratégias de colaboração judiciária que respeitem os sistemas e culturas jurídicas de cada um.

Apesar de todas as naturais dificuldades resultantes daquela diversidade e das muitas e inúteis burocracias que, por vezes, também as agravam, tem sido possível, através de um trabalho leal e diário de muitos magistrados europeus, contribuir para que a grande criminalidade tenha cada vez mais dificuldade em agir no espaço europeu, fugindo descaradamente ao controlo e punição das diferentes autoridades judiciárias nacionais.

É verdade que, se essa diversidade de sistemas e culturas judiciárias acaba por provocar, tantas vezes, alguma ineficiência marginal, também é verdade que a experiência variada dos muitos magistrados europeus que colaboram quotidianamente através da Rede Judiciária Europeia e da Eurojust tem, precisamente, permitido desenvolver todos esses sistemas nacionais, contribuindo, além disso, para encontrar as soluções consensuais que, em conjunto, favorecem a confiança mútua e possibilitam já o regular reconhecimento recíproco das suas decisões.

Atrever-me-ia a dizer, portanto, que é por via dessa diversidade e dos ensinamentos advenientes que tem sido possível modernizar muitos sistemas nacionais e, simultaneamente, erguer os verdadeiros equilíbrios propiciadores do atual nível de cooperação e coordenação de investigações e atos judiciais na Europa.

A preocupação, sempre presente – mesmo que difícil -, com o entendimento da razão de ser das soluções organizativas, judiciárias e legislativas que os diferentes países soberanamente foram desenvolvendo ao longo da sua história tem sido, por conseguinte, uma das mais importantes ferramentas para sedimentar a confiança mútua entre sistemas de justiça e magistraturas.

Tem sido esse esforço genuíno dos profissionais do direito e, mais especificamente, daqueles a quem as diferentes constituições nacionais incumbiram de exercer as funções judiciais que tem permitido, de facto, que se cumpram as convergências possíveis, sem as quais dificilmente poderíamos hoje erguer uma justiça minimamente eficiente dentro das fronteiras de cada Estado.

Tais convergências fecundas têm resultado, assim, mais da perceção das preocupações e descobertas de-senvolvidas e partilhadas pelos especialistas e representantes políticos nacionais do que de soluções ditadas por burocratas exteriores aos problemas quotidianos dos cidadãos e dos profissionais que com eles têm de lidar.

Nessa capacidade de convergir no respeito pela soberania e cultura específica de todos está o segredo para os relevantes sucessos que as justiças europeias têm frequentemente alcançado contra as redes transnacionais de criminalidade organizada que, de uma maneira ou de outra, aterrorizam, escravizam ou roubam e defraudam a vida e o património de tantos cidadãos pacíficos, honestos e esforçados, cumpridores dos seus deveres sociais.

No momento crítico que atravessamos, talvez fosse bom meditarmos todos nas diferenças metodológicas que têm presidido aos esforços de unidade na Europa e na razão de ser do sucesso de algumas dessas experiências e nas do insucesso de outras.

Jurista.

Escreve à terça-feira

Meditando no Brexit à procura da razão de ser do sucesso da Europa judiciária


A preocupação com o entendimento da razão de ser das soluções judiciárias, que os países soberanamente foram desenvolvendo ao longo da sua história, tem sido uma importante ferramenta para sedimentar a confiança mútua entre sistemas de justiça e magistraturas na Europa.


Não foi devido ao resultado do referendo britânico sobre a permanência na União Europeia, embora pudesse ter sido. Na verdade, havia já pensado escrever sobre este assunto.

Refiro-me à forma como os diferentes sistemas de justiça criminal dos países europeus – os que compõem a União Europeia, mas não só – têm sido capazes de desenvolver instrumentos e estratégias de colaboração judiciária que respeitem os sistemas e culturas jurídicas de cada um.

Apesar de todas as naturais dificuldades resultantes daquela diversidade e das muitas e inúteis burocracias que, por vezes, também as agravam, tem sido possível, através de um trabalho leal e diário de muitos magistrados europeus, contribuir para que a grande criminalidade tenha cada vez mais dificuldade em agir no espaço europeu, fugindo descaradamente ao controlo e punição das diferentes autoridades judiciárias nacionais.

É verdade que, se essa diversidade de sistemas e culturas judiciárias acaba por provocar, tantas vezes, alguma ineficiência marginal, também é verdade que a experiência variada dos muitos magistrados europeus que colaboram quotidianamente através da Rede Judiciária Europeia e da Eurojust tem, precisamente, permitido desenvolver todos esses sistemas nacionais, contribuindo, além disso, para encontrar as soluções consensuais que, em conjunto, favorecem a confiança mútua e possibilitam já o regular reconhecimento recíproco das suas decisões.

Atrever-me-ia a dizer, portanto, que é por via dessa diversidade e dos ensinamentos advenientes que tem sido possível modernizar muitos sistemas nacionais e, simultaneamente, erguer os verdadeiros equilíbrios propiciadores do atual nível de cooperação e coordenação de investigações e atos judiciais na Europa.

A preocupação, sempre presente – mesmo que difícil -, com o entendimento da razão de ser das soluções organizativas, judiciárias e legislativas que os diferentes países soberanamente foram desenvolvendo ao longo da sua história tem sido, por conseguinte, uma das mais importantes ferramentas para sedimentar a confiança mútua entre sistemas de justiça e magistraturas.

Tem sido esse esforço genuíno dos profissionais do direito e, mais especificamente, daqueles a quem as diferentes constituições nacionais incumbiram de exercer as funções judiciais que tem permitido, de facto, que se cumpram as convergências possíveis, sem as quais dificilmente poderíamos hoje erguer uma justiça minimamente eficiente dentro das fronteiras de cada Estado.

Tais convergências fecundas têm resultado, assim, mais da perceção das preocupações e descobertas de-senvolvidas e partilhadas pelos especialistas e representantes políticos nacionais do que de soluções ditadas por burocratas exteriores aos problemas quotidianos dos cidadãos e dos profissionais que com eles têm de lidar.

Nessa capacidade de convergir no respeito pela soberania e cultura específica de todos está o segredo para os relevantes sucessos que as justiças europeias têm frequentemente alcançado contra as redes transnacionais de criminalidade organizada que, de uma maneira ou de outra, aterrorizam, escravizam ou roubam e defraudam a vida e o património de tantos cidadãos pacíficos, honestos e esforçados, cumpridores dos seus deveres sociais.

No momento crítico que atravessamos, talvez fosse bom meditarmos todos nas diferenças metodológicas que têm presidido aos esforços de unidade na Europa e na razão de ser do sucesso de algumas dessas experiências e nas do insucesso de outras.

Jurista.

Escreve à terça-feira