Portugal. Quartos com vista sobre a cidade

Portugal. Quartos com vista sobre a cidade


Marselha de novo. Que Portugal teremos esta noite contra a Polónia? Com os “Três Tenores” (Nani, Quaresma e Ronaldo) ou receoso de um adversário que irá certamente jogar sobre a sua defesa? A quinta meia-final lusitana em Europeus está aí ao estender da mão. Basta um gesto firme


E eis Portugal nos quartos-de-final da fase final do Campeonato da Europa de 2016, um passo à frente do que muitos lhe adivinharam depois da melancólica fase de grupos, na qual não foi além de três empates contra equipas nitidamente inferiores e jogando um futebol desgarrado, monótono e sem chama. Foi suficiente.

Eis-me de novo em Marselha, onde comecei esta Volta a França sem bicicleta no meio da confusão criada entre russos e ingleses que deu em cenas brutais de pancadaria no Cais dos Belgas e outros recantos do Vieux-Port, nesses dias com o chão atapetado a vidros de milhares de garrafas de cervejas partidas que volteavam pelo ar como pombas assassinas, hoje de volta à calmaria que manda pedir uma bouillabaise enquanto os barcos saem em direção ao horizonte e à ilha de Monte Cristo. “Nem esquecimento nem perdão!”

Marselha, a mais antiga cidade de França, fundada com o nome de Massalia, 600 anos antes de Cristo, é o palco de um tudo-nada surpreendente Portugal-Polónia, já que se faziam contas a outro tipo de cruzamentos nos oitavos e quartos-de-final deste Europeu.

Mas mandou o destino que assim fosse e assim será. As “calanques” de Marselha, espalhadas por 20 quilómetros de costa deste Mediterrâneo azul-incrível, protegem as ruas do mistral que sopra forte. Um calor bruto, como se um cobertor de papa, daqueles velhos dos avós, tivesse sido estendido sobre o redor. Há bandeiras brancas e vermelhas (“bialo-czerwoni”, dizem os polacos) espalhadas pela Avenida do Prado em direção ao Velodrôme.

Estão confiantes, os polacos. Creem na equipa montada pelo seu treinador, Adam Nawalka, um dos homens do Mundial de 1978, agora instalado como selecionador de todas as esperanças – lembrem–se que a Polónia não está presente na meia-final de uma grande competição desde 1982, já lá vão 34 anos, o que é uma imensidão. Rigoroso, exigente, é igualmente um bom psicólogo e caiu no goto dos jogadores e dos adeptos.

Se Portugal está à espera de uma equipa capaz de querer a bola para si, desengane-se. Quem espera toda esta eternidade para assinar um desempenho que se quer brilhante, está pronto para esperar mais uma hora e meia ou duas com penáltis e tudo. A Polónia, assente na sua espinha de Fabianski (guarda-redes), Krychowiak (no meio) e Lewandowski (na frente), será certamente um conjunto apostado em dar o menos espaço possível aos avançados criativos de Portugal, deixando para o contragolpe a necessidade do golo. Por isso, caberá a Portugal ter a iniciativa. Se não o fizer, estaremos perante uma nova edição do maçador Portugal-Croácia, escrito nos cadernos quadriculados do medo.

Que Portugal esta noite? A pergunta faz sentido, até porque Fernando Santos não definiu até agora um onze da sua predileção. Basicamente, toda a gente tem jogado e as equipas não se repetem. Vamos voltar a ter Adrien a titular? E José Fonte? Renato Sanches terá oportunidade de emprestar ao meio-campo a dinâmica que ele raramente tem tido? E Quaresma? Será o terceiro mosqueteiro da frente de ataque ou ficará guardado para surgir na segunda parte, como se fosse D’Artagnan?

Muitas dúvidas, sempre muitas dúvidas em relação à composição da equipa portuguesa. Tantas dúvidas que não podemos deixar de pensar que o selecionador nacional também as tem. Ainda não tivemos um Portugal à altura do prestígio que ganhou por estas bandas, e garanto-vos que, apesar das muitas críticas sobre a qualidade de jogo lusitana, a “equipa das quinas” é tida em França como uma das grandes formações desta competição. Até ao momento parece que há algo a emperrar o talento de alguns dos nossos jogadores. Por uma questão psicológica? Por causa, exatamente, dessas dúvidas de Fernando Santos que amarram a seleção a um futebolzinho medíocre e desinteressante?

Cada jogo é uma resposta a essas perguntas que surgem na cabeça de todos nós que acompanhamos Portugal desde o seu jogo de estreia, em Saint-Étienne, frente à grande surpresa deste Euro 2016 e que se chama Islândia. Cada jogo responde a certas perguntas e, ao mesmo tempo, coloca outras. Estamos perante uma equipa de dúvidas, mas que não tem o direito de duvidar de si própria, sendo exemplo disso o seu capitão, homem que nunca duvida de si mesmo.
Que se espalhe essa forma de estar no campo e na vida. Que lá do alto da Nôtre–Dame-de-la-Garde aos caminhos de pinheiros mansos que se dirigem a Cassis e La Ciotat, que do monte Puget à Praia do Profeta haja uma força que enfune os peitos portugueses como enfunavam as velas dos galeões dos quais falava o Dr. Topsius da Imperial Alemanha nesse livro único que é “A Relíquia”. 

Marselha revisitada A Marselha que viu Chalana e Jordão fazerem tremer a França de Platini naquela meia-final de 23 de junho de 1984. A primeira meia–final portuguesa de um Campeonato da Europa. Os anos passaram correndo como a brisa que sopra de La Cannebière. Alguns quentes, outros mornos, e também frios. Daí para cá, Portugal já esteve presente em mais três meias-finais de Europeus (2000, 2004 e 2012). Para que a história se repita, há que bater, logo, um grupo de polacos muito duro de roer que até ao momento só sofreram um golo, por acaso dos mais bonitos desta competição, marcado pelo suíço Shaquiri. 

Não pode haver um favorito claro neste frente-a-frente com algo de inesperado. Mas Portugal tem Cristiano Ronaldo, como os jornais franceses não nos cansam de recordar, e quem tem Ronaldo tem sempre um momento (ou mais) para resolver facilmente o que parece tornar-se complicado. Não é muito crível que Fernando Santos faça alinhar de início os “Três Tenores” (Nani, Quaresma e Cristiano Ronaldo), mas convém não esquecer que foram eles que transformaram em golo decisivo frente à Croácia a cavalgada impressionante de Renato Sanches a três minutos do final do prolongamento. É nessa ideia de objetivismo que se pode cimentar o otimismo dos portugueses. A técnica ao serviço de um ponto final, e não um futebol redondo de reticências. Depois da vitória da passada quarta-feira pudemos dizer: “Adeus tristeza, até depois.” Que esse adeus tenha sido definitivo, e não um até já. Não é tempo ainda de regressar ao país triste…