Brexit. A arte de seduzir (e)leitores

Brexit. A arte de seduzir (e)leitores


Em vez da tradicional esquerda e direita, que divide os jornais nas eleições nacionais, o referendo à filiação europeia demarca a imprensa britânica por estilos. Os tabloides, com o “Sun” à cabeça, preferem sair, os títulos de referência optam maioritariamente pela aliança com Bruxelas. Nem Rupert Murdoch conseguiu alterar essa regra


Não há volta a dar. Sempre que se aproxima uma eleição importante no Reino Unido os jornais anunciam a sua intenção de voto na esperança que a defesa dessa opinião possa convencer os seus leitores a escolher a mesma via. O Brexit não foi exceção e a primeira conclusão que se pode retirar é que as bancas estão tão divididas como as urnas estarão na quinta-feira, se as sondagens se mostrarem certeiras.

Os seis principais jornais que se manifestaram a favor da permanência na União Europeia (UE) somam entre si uma circulação de 4,5 milhões de exemplares, enquanto os quatro títulos de maior expressão que defenderam a separação com Bruxelas juntam 4,2 milhões de eleitores.

Números expectáveis, uma vez que as sondagens também apontam para um divisão em partes quase iguais do eleitorado. As surpresas, essas, surgem em detalhes como o facto do “Mail on Sunday” ter acabado por declarar apoio ao statu quo quando a sua versão semanal, o “Daily Mail”, tem sido uma das principais vozes da saída.

Foi só no último domingo que os diretores do “Mail on Sunday”, o tabloide de domingo mais vendido no país desde o encerramento do “News of The World”, anunciaram o surpreendente apoio à ligação a Bruxelas: “Não é tempo de arriscar a paz e a prosperidade do Reino Unido” diz o editorial que recorda aos britânicos que o país já não tem “o poder e a riqueza que um dia lhe permitiu viver num isolamento esplêndido”.

Texto que dificilmente poderia ser mais contrastante com a frase com que a versão diária do título tentou convencer o primeiro-ministro David Cameron a não apoiar a permanência: “Sair é a única forma de controlar a migração massiva para o nosso país”.

O mesmo poderia ter acontecido na família do “Times”, onde o título diário e a versão semanal partilham muito menos conteúdo do que o exemplo anterior. Aqui a única surpresa é o facto de as duas direções do “Times” terem decidido apoiar a via europeia quando o seu dono, o polémico magnata Rupert Murdoch, já havia declarado anunciado opinião contrária. Quando o ministro da Justiça, Michael Gove, anunciou que defenderia o Brexit, Murdoch escreveu no Twitter que “os amigos sempre souberam que os seus princípios se sobrepunham às amizades pessoais”, referindo-se à antiga aliança de Gove com o PM.

Embora nos bastidores Murdoch não deixou de influenciar, pois o “Guardian” sustenta-se num antigo colaborador para garantir que que foi o próprio magnata a decidir o sentido de voto do “The Sun”, o tabloide que é também o jornal que mais vende do seu grupo – e no país. E depois de uma longa espera, o jornal anunciou o seu sentido de voto na semana passada – e, como não poderia deixar de ser, com pompa e circunstância: “BeLEAVE in Britain” diziam as letras garrafais da primeira página num trocadilho entre as palavras acredite (believe) e sair (leave).

Mais do que a tradicional esquerda e direita que divide os jornais nas eleições tradicionais, este referendo parece ter feito a divisão entre tabloide e jornais de referência, com os títulos mais conceituados, como a “Economist” ou o “Financial Times” a sublinharem a importância do projeto comunitário num mundo globalizado. Como o “Guardian”: “Tal como a democracia, a UE representa uma maneira imperfeita de responder aos desafios do mundo. Mas para responder a essas imperfeições fazem faltas reformas, não isolamento”, leu-se no editorial de segunda-feira.