Um povo carente de sucessos


A nossa seleção de futebol quase nos leva a um estado de loucura coletiva. A um estado de mobilização coletiva pouco usual. A um estado de ambição que deveria existir noutros momentos


“A história do futebol português é fenomenal.”

Simon Kuper “Financial Times”

O ano de 2016 é um ano em que o Campeonato Europeu de Futebol de seleções se realiza com um novo figurino. Em particular, com mais seleções a disputarem a fase final da maior competição do futebol europeu entre seleções. Ao contrário do que sucedeu até 2012, o Euro de 2016 conta com a participação de 24 seleções, permitindo a países como a Albânia, a Eslováquia, o País de Gales, a Irlanda do Norte e a Islândia participarem pela primeira vez nesta competição desportiva. Este ano, o Euro realiza-se num tempo coletivo em que a Europa convive com vários problemas complexos do ponto de vista não só político, como económico e social. E também de segurança. Sim, de segurança, com o fenómeno do terrorismo a estar presente no quotidiano de vários países, em particular num país como a França. Aliás, como temos assistido nos últimos dias, à ameaça do terrorismo no solo francês juntou-se o hooliganismo, protagonizado por gente infiltrada em claques de países que são radicais de extrema-direita e profissionais do radicalismo de rua.

O Euro 2016, como outras competições desportivas, muito mediatizadas e mobilizadoras de fortes sentimentos de identidade e de pertença, tem o nosso país como um dos países participantes, no lote dos 24 povos que se mobilizaram para assistir e para viverem de forma intensa esta competição desportiva. À semelhança do que tem acontecido, sobretudo nos últimos 12 anos, com a participação de Portugal, quer nos Euros, quer nos mundiais de futebol, nós, portugueses, enquanto povo, vivemos de forma muito intensa, não só os apuramentos, mas sobretudo os pós-apuramentos e ainda mais a participação neste tipo de competições internacionais.

Desde que Luís Filipe Scolari conseguiu levar-nos a colocar a bandeira nacional em tudo o que era local visível (janelas, carros, etc.), enquanto povo, temo-nos unido, alheados de problemas, mobilizados de maneira única, enquanto não somos afastados das respetivas competições. Tal e qual, como povo carente de sucessos, nós enquanto portugueses temos usado e visto na nossa seleção de futebol profissional o instrumento de exaltação maior da nossa existência, da nossa proclamação extrafronteiras e do orgulho de sermos portugueses. Durante este tempo esquecemos problemas e rivalidades e entregamo-nos de alma e coração aos feitos dos nossos jogadores de futebol. Galvanizamo-nos de tal forma que proclamamos bem alto que somos os melhores, que vamos vencer tudo e todos. À boa maneira portuguesa, oscilamos quase sempre entre sermos os melhores e sermos os primeiros a descrer em nós próprios à medida da primeira contrariedade.

O ser-se português tem muito a ver com este nosso comportamento coletivo. Povo carente de sucessos. Povo que, lá bem no fundo, precisa de carinho, de mimo, de reconhecimento, de sucessos e de boas notícias. Tudo devidamente ampliado e mediatizado. Ainda por cima quando temos o melhor treinador de futebol do mundo (José Mourinho) e o melhor jogador de futebol do mundo (Cristiano Ronaldo). Aliás, é sempre relevante termos presente que Cristiano Ronaldo, sozinho, vale mais do que a soma de 12 seleções presentes no Euro 2016.

Sociológica e psicologicamente, a nossa seleção de futebol quase nos leva a um estado de loucura coletiva. A um estado de mobilização coletiva pouco usual. A um estado de ambição que deveria existir noutros momentos. A um estado de exaltação coletiva nunca visto em relação aos valores nacionais mais perenes. Este povo carente de sucessos deveria ser assim em muitas outras matérias da sua vida coletiva. Porque, se assim fosse, acreditaríamos muito mais em nós próprios no domínio da cultura, da economia e da política. Não ficando tão dependentes do desporto e, em particular, do futebol para nos mobilizarmos como temos vindo a fazer quando o futebol português participa em competições desportivas internacionais muito mediatizadas.

Escreve à segunda-feira 


Um povo carente de sucessos


A nossa seleção de futebol quase nos leva a um estado de loucura coletiva. A um estado de mobilização coletiva pouco usual. A um estado de ambição que deveria existir noutros momentos


“A história do futebol português é fenomenal.”

Simon Kuper “Financial Times”

O ano de 2016 é um ano em que o Campeonato Europeu de Futebol de seleções se realiza com um novo figurino. Em particular, com mais seleções a disputarem a fase final da maior competição do futebol europeu entre seleções. Ao contrário do que sucedeu até 2012, o Euro de 2016 conta com a participação de 24 seleções, permitindo a países como a Albânia, a Eslováquia, o País de Gales, a Irlanda do Norte e a Islândia participarem pela primeira vez nesta competição desportiva. Este ano, o Euro realiza-se num tempo coletivo em que a Europa convive com vários problemas complexos do ponto de vista não só político, como económico e social. E também de segurança. Sim, de segurança, com o fenómeno do terrorismo a estar presente no quotidiano de vários países, em particular num país como a França. Aliás, como temos assistido nos últimos dias, à ameaça do terrorismo no solo francês juntou-se o hooliganismo, protagonizado por gente infiltrada em claques de países que são radicais de extrema-direita e profissionais do radicalismo de rua.

O Euro 2016, como outras competições desportivas, muito mediatizadas e mobilizadoras de fortes sentimentos de identidade e de pertença, tem o nosso país como um dos países participantes, no lote dos 24 povos que se mobilizaram para assistir e para viverem de forma intensa esta competição desportiva. À semelhança do que tem acontecido, sobretudo nos últimos 12 anos, com a participação de Portugal, quer nos Euros, quer nos mundiais de futebol, nós, portugueses, enquanto povo, vivemos de forma muito intensa, não só os apuramentos, mas sobretudo os pós-apuramentos e ainda mais a participação neste tipo de competições internacionais.

Desde que Luís Filipe Scolari conseguiu levar-nos a colocar a bandeira nacional em tudo o que era local visível (janelas, carros, etc.), enquanto povo, temo-nos unido, alheados de problemas, mobilizados de maneira única, enquanto não somos afastados das respetivas competições. Tal e qual, como povo carente de sucessos, nós enquanto portugueses temos usado e visto na nossa seleção de futebol profissional o instrumento de exaltação maior da nossa existência, da nossa proclamação extrafronteiras e do orgulho de sermos portugueses. Durante este tempo esquecemos problemas e rivalidades e entregamo-nos de alma e coração aos feitos dos nossos jogadores de futebol. Galvanizamo-nos de tal forma que proclamamos bem alto que somos os melhores, que vamos vencer tudo e todos. À boa maneira portuguesa, oscilamos quase sempre entre sermos os melhores e sermos os primeiros a descrer em nós próprios à medida da primeira contrariedade.

O ser-se português tem muito a ver com este nosso comportamento coletivo. Povo carente de sucessos. Povo que, lá bem no fundo, precisa de carinho, de mimo, de reconhecimento, de sucessos e de boas notícias. Tudo devidamente ampliado e mediatizado. Ainda por cima quando temos o melhor treinador de futebol do mundo (José Mourinho) e o melhor jogador de futebol do mundo (Cristiano Ronaldo). Aliás, é sempre relevante termos presente que Cristiano Ronaldo, sozinho, vale mais do que a soma de 12 seleções presentes no Euro 2016.

Sociológica e psicologicamente, a nossa seleção de futebol quase nos leva a um estado de loucura coletiva. A um estado de mobilização coletiva pouco usual. A um estado de ambição que deveria existir noutros momentos. A um estado de exaltação coletiva nunca visto em relação aos valores nacionais mais perenes. Este povo carente de sucessos deveria ser assim em muitas outras matérias da sua vida coletiva. Porque, se assim fosse, acreditaríamos muito mais em nós próprios no domínio da cultura, da economia e da política. Não ficando tão dependentes do desporto e, em particular, do futebol para nos mobilizarmos como temos vindo a fazer quando o futebol português participa em competições desportivas internacionais muito mediatizadas.

Escreve à segunda-feira