Euro’16. Soltem o Cavalo Negro!

Euro’16. Soltem o Cavalo Negro!


É hoje! Finalmente é hoje que Portugal se estreia no Campeonato da Europa de 2016! Carregado de ambições e de esperanças, correndo por fora e procurando chegar à meta com um pescoço à frente das grandes selecções que estão em França para ganhar. Uma espécie de febre tomou conta de Saint-Étienne…


Choveu durante a noite. As ruas de Saint-Étienne, da Bellevue ao Beaubrin, onde se abrem as portas do centro da cidade, até ao Le Marais do Estádio Geoffroy-Guichard, acordaram molhadas e um vento fresco que vem dos Alpes invadiu o Vale do Loire. Na véspera, o comboio que me trouxe de Marselha, via Lyon Part-Dieu, trazia muitos islandeses e nenhum português. Virão depois das festas, dizem por cá. Depois das festas de Lisboa, quer dizer.

Estamos no país dos puy, os cones vulcânicos, não longe de Clermont-Ferrand e do famoso Puy-de-Dôme da Volta à França em bicicleta. Por isso, os adeptos que vêm dessa ilha meio misteriosa do Mar do Norte, já a caminho da Gronelândia e do Ártico, sentem-se em casa. Não foi há muito tempo que o Eyjafjallajökull rebentou lá na Islândia, deixando meia Europa às escuras. De um país de vulcões para outro. Trazem, orgulhosos, as suas camisolas azuis e preparam-se para viver pela primeira vez as vibrações de uma fase final de uma grande competição. Bem vindos sejam, então, agora que se preparam para defrontar Portugal, o tal Cavalo Negro, como lhe chamou a imprensa inglesa durante o Europeu de 1996, comparando-o a um participante das corridas que não se faz notar mas que, de repente, de surpresa, chega ao fim do dérbi com um pescoço à frente dos favoritos.

Soltem, portanto, o Cavalo Negro. Soltem a ambição de um selecionador, Fernando Santos, que fez questão de colocar uma meta bem clara para a ‘Equipa de Todos Nós’, como lhe chamou um dia o grande jornalista Ricardo Ornellas: a final e nada menos que a final. Talvez (muito certamente) não saia frustrado de França se lá não chegar, convenhamos que Portugal só por uma vez – já lá vão 12 anos, quem diria – atingiu a final de um Campeonato da Europa, precisamente aquele que tão brilhantemente organizou. Assim sendo, dificilmente pode ser colocado na primeira linha dos candidatos à conquista da prova, pese embora o peso de Cristiano Ronaldo, esse sim, seguramente o melhor jogador do torneio em pessoa, resta saber se assim considerado no final das contas aos 51 jogos que dele fazem parte, algo que o português não tem conseguido pelas fases finais nas quais participou.

Com Quaresma ou sem Quaresma (e à hora em que escrevo é, para já, sem Quaresma), a Seleção Nacional parte à frente neste combate direto com os rapazes altos e loiros, como dizia Pedroto, (acentuando o “loiros” para dar à frase o sulismo e elitismo do qual soube usar e abusar) comandados por um sueco, não muito alto e já nada loiro, com grande experiência destas andanças (esteve presente em três fases finais de Mundiais e outras três de Europeus), chamado Lars Lagerbäck, muito provavelmente a grande figura desta equipa islandesa, com licença do «velhote» Eidur Gudjonhson e do muito razoável Sigurdsson, que já passou pelo Tottenham e está por hoje no Swansea.

Ganhar, ganhar e ganhar Já toda a gente o disse e o escreveu, mas não me caem os parentes na lama se o repetir. Por isso, e com licença dos parentes, voltarei a insistir na satisfatória felicidade que contemplou Portugal no sorteio da fase final, pondo-lhe ao dispor um grupo sem tubarões, sem trutas, mas com três sardinhas muito apetitosas, como são a Islândia, a Áustria e a Hungria – seguindo a ordem dos jogos – todas elas equipas de futebol agradável, de bom trato, sem correrias em excesso nem agressividade acima do que costumamos estar habituados. Ainda assim, se há adversário que aposte mais no valor do físico do que na arte da técnica ele é, certamente, o de hoje. Veremos se com pujança suficiente para provocar estragos numa defesa lusitana que tem na sua veterania o ponto de honra.

Para já, em dois confrontos (ambos oficiais) entre Portugal e Islândia, duas vitórias portuguesas, 3-1 na Islândia (golos de Meireles, Ronaldo e Postiga) e 5-3 em Portugal (Nani, 2, Eliseu, Moutinho e Postiga). Nada de vantagens excessivas e dinamizadoras de exagerados otimismos, mas triunfos firmes e por margens seguras. Logo à noite se verá se a história se repete…

Frustração seria, diga-se desde já, não ver Portugal chegar aos oitavos de final deste Europeu agora gigante, com seis grupos de quatro equipas. Ao fim e ao cabo, dos 24 apurados só serão eliminados oito! Contabilidades à moda desta UEFA com tiques de FIFA que fazem com que uma simples vitória de quem quer que seja garanta praticamente a presença no que ainda está para vir. Vitória essa que, para Portugal, é para hoje à noite, no Estádio Geoffroy Guichard, do grande St-Étienne dos anos 70 que vimos, os que têm idade para tal, disputar uma vez a final da Taça dos Campeões contra o Bayern de Munique, em Glasgow, com um futebol de luxo que contava com gente como Janvion, Piazza, Bathenay, Jean-Michel Larqué, Hervé Revelli, Santini e Rocheteau e treinada por um mestre ruivo com cabelo de bola chamado Robert Herbin. Perdeu (0-1), mas ganhou o respeito da nossa memória.

 É tempo de não deixar fugir o tempo. Para as ambições reveladas, ganhar e ganhar e ganhar, nada mais conta frente aos islandeses. Sim, porque a história pode repetir-se vezes sem conta, mas a nossa vida não.