O verão está aí à porta e parece que tudo se transforma em light. Comida light, bebida light, amigos light, assuntos light. Tudo é ligth, tudo é fresco, tudo é verão. E vamos todos esquecer que transpiramos como parvalhões, nesta época do ano.
Além de ser tudo tão light, tão dieta, tão cool, parece que no verão, deixamos de saber ler textos que não venham organizados em “10 Passos” – “10 passos para ter um corpo TOP”, “10 passos para encontrar o amor no verão”; “10 passos para a dieta perfeita”.
Querido carequinha: Achei que merecias que criasse uma lista de “10 Passos”, escrita a pensar em ti mas é para a teres impressa e colada no frigorífico! Não só para a época balnear, mas para a vida inteira ou, pelo menos, enquanto o chato do cancro te estiver a incomodar. Boa? Aqui vai:
1 – Não fazer fretes.
Não fazer fretes significa não fazeres o que tu não queres, sempre que tens essa opção. Já gastas tanto do teu tempo em consultas, hospitais e internamentos que, o restante, tem de ser usado a teu belo prazer, não o podes gastar em fretes. Imagina que sais de uma consulta e recebes uma mensagem que diz: “Passa lá em casa”. Se reagires a essa mensagem, com um suspiro longo, vindo das profundezas do teu ser porque, “preferia ir ver o mar, mas bolas, tem de ser”, é porque não, não tem de ser. Vais ter que ignorar esse convite nada apetecível. E se a pessoa em questão, ainda abusar e enviar outra mensagem a dizer, “traz pão”? Responde à mensagem no mesmo modo (com um uso escasso de palavras) e responde só assim: “Mar.”.
2 – Não responder a perguntas de gente calhandreira.
No fundo, isto continua na linha do “não fazer fretes”, que talvez seja a máxima mais importante a ser respeitada. Se sentes que o outro te está a fazer um interrogatório, sem qualquer empatia por ti ou pelo que estás a sentir, tortura-o. Como? Com respostas vagas. Não há nada pior para um calhandreiro, que quer, que precisa de saber tudo, do que responder com respostas vagas e vazias ou que não têm qualquer interesse para o questionador: “O que te disseram os médicos, nesta consulta?”, e tu respondes – “Falaram sobre mim, conversámos um bocadinho. São mesmo simpáticos os médicos, aqui! Sabias que a estagiária que estava na consulta, estudou com a filha da Joana? O mundo é mesmo uma ervilha!”. Vais ver. O coscuvilheiro vai odiar-te. E tu vais adorar isso.
3 – Manter algumas rotinas que tinhas, antes da doença.
Com a vinda do novo inquilino, o cancro, naturalmente que a tua vida mudou radicalmente, por isso, acho que deves manter algumas rotinas para não perderes toda a normalidade dos teus dias. Se já ias àquele café, não deves sentir-te intimidado por continuares a frequentar o espaço. Mesmo que tenhas de enfrentar olhares e de colocar as pessoas no seu devido lugar. Se te deixarem passar à frente, aproveita. Olha que depois desta fase, acabam-se as regalias.
4 – Aceitar o corpo.
Independentemente das cicatrizes, da falta de cabelo e de já não ser o mesmo, o teu corpo merece umas quantas medalhas e uma delas, é a de mérito. É um corpo que tem sido massacrado e não gostares dele, não é justo. Ele tem-se aguentado à bomboca para suportar a dureza dos tratamentos por isso cuida dele, ama-o e respeita aquilo que ele tem feito. Mesmo que ele já não seja aquilo que era, talvez seja mais forte do que nunca. Porque agora é um corpo guerreiro.
5 – Ter cuidado com a Internet
Se não for para ires à página do Cancro com Humor (olha-me esta espertinha…), vá para veres outras páginas e sites que te tragam esperança, alegria e humor, vais mesmo querer ler esses sites que falam sobre estatísticas assustadoras? Achas que vais melhorar o teu astral, confiança e qualidade de vida, a ler tudo e mais alguma coisa (e tanta dessa informação é falsa), sobre o teu cancro e o do vizinho? Esquece lá isso. Não faças nada que te faça mal.
6 – Não ter vergonha de pedir ajuda
Claro que te vai apetecer estrangular meio mundo. Claro que vais sentir também frustração, raiva, dúvida. E não há problema nenhum em assumir essa vulnerabilidade, seja com amigos ou psicólogos. Para quem desconfia, claro que também fui seguida por uma psicóloga e ter esse espaço para mim, onde não tive de ser forte, nem capaz, nem estrondosa, foi maravilhoso. Às vezes tenho saudades dela. Como estará a minha psicóloga a safar-se sem mim?
7 – Conhecer outras histórias inspiradoras
Acredita, não estás sozinho nisto. Existem tantas pessoas que já passaram por aquilo que estás a passar e que hoje, estão frescos, airosos e felizes. Conhecer pessoas inspiradoras, que ultrapassam obstáculos diariamente, diminui o medo e aumenta a esperança. Mas por favor, não sintas o gosto mórbido de conhecer gente que está pior do que tu, para perceberes que não estás assim tão mal. O mote é inspirarmos-nos com a força dos outros e não inspirar desgraça alheia para me aliviar da minha.
8 – Se não estiveres a ser bem tratada num serviço? Defende-te!
Normalmente, pelo menos no meu caso e nas histórias que vou conhecendo, as pessoas sentem-se bem tratadas e acompanhadas tanto pelos médicos, como pelos enfermeiros e auxiliares, contudo, como em todas as profissões e em todos os locais, nem sempre esbarramos nos melhores e mais simpáticos profissionais. Antigamente, víamos os médicos como se fossem deuses do olimpo, figuras sagradas a quem oferecíamos galinhas e enchidos, em forma de agradecimento. Agora, felizmente para nós e para as galinhas, as coisas mudaram. Os que estão responsáveis por tratar de nós, são pessoas normais e caso falhem nas suas funções ou atendimento, têm de ser chamadas à atenção. Por isso, se te sentires negligenciado, maltratado, por favor não tenhas medo de o dizer e de reclamar. Se te sentires intimidado? Chama a minha mãe que ela reclama na boa por ti.
9 – Fugir de gente dramática
As tuas colegas que fazem quimioterapia contigo, passam as horas do tratamento a reclamar da vida? Leva auriculares e ouve música alegre. A tua vizinha, quando te vê, choramiga e diz coisas como “coitadinha de ti”? Muda para o outro lado da estrada, quando a vires ao longe. Aquela tia já te encomendou o funeral? Deixa-a marcar o evento. Mas não apareças.
10 – Gratidão
Ao pequeno-almoco, ao almoço e ao jantar, três colheres de gratidão, antes de cada refeição. Tenho a certeza que tens muitos motivos para agradecer. Se te empanturrares de gratidão, não deixas espaço para a revolta. E o melhor de tudo, é que este alimento não é sazonal. É para a vidinha toda.
10 beijos para ti!
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Escreve à quinta-feira