A personagem principal, interpretada por Greta Garbo, é uma agente espartanamente soviética, austera e séria (o que, aliás, é a imagem de marca de Garbo), incapaz de sorrir, dedicada ao bem do povo soviético, enviada para Paris com o objetivo de pôr na ordem três camaradas cuja missão era vender as joias do regime, expropriadas pelo Estado soviético à duquesa Swana, com o fim de comprar tratores para a lavoura.
O “problema” destes três oficiais soviéticos é, além de uma enorme aselhice, um problema político: deixam-se seduzir pelos encantos do capitalismo, pelo bem-estar e boémia parisiense, pelo bom gosto e conforto, por exemplo, de um luxuoso hotel onde ficam albergados, na suíte principal. Ninotchka não é exceção: primeiro, o silly hat a que não resiste e, às escondidas, compra; depois, um estonteante vestido; até a uma noitada inebriante com champanhe do melhor. Ainda assim, mantém a foto de Lenine ao lado da cama, embora se sinta desconfortável ao fazê-lo num quarto de hotel que custa 2 mil francos por noite, o preço de uma vaca no seu país.
Além deste seguidismo inquestionável bastante frequente à esquerda, o fenómeno de “conversão” destes quatro convictos esquerdistas não é de ontem nem se fica pelas telas do cinema, variando apenas o nível de hipocrisia dos seus protagonistas na realidade. São os socialistas de hoje que, como os de ontem, adoram o conforto de Paris, pregam em nome da justiça social e de um certo estilo de vida que querem para os outros, fazendo o oposto em privado. Por estes dias, o melhor exemplo é, no debate dos contratos de associação, a postura em relação à escola pública, defendida publicamente com fervor ideológico pelos protagonistas da esquerda, mas, na hora da escolha, as suas crianças são educadas no ensino privado.
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