Sei que é uma tarefa ciclópica para os defensores do caráter sagrado dos contratos de associação entre o Estado e as escolas privadas debater com seriedade a decisão do Ministério da Educação de reduzir o apoio financeiro público a um negócio privado, mas que diabo, podiam ao menos disfarçar que estavam preocupados com a comunidade e fingir.
Sei que não é da sua natureza dizer a verdade, argumentar com lógica, expor com galhardia pontos de vista, mesmo que sejam impopulares, pegar os bois pelos cornos e dizer sem vacilar: “Escutem, seus totós, queremos sustentar os nossos negócios privados com o dinheiro dos vossos impostos.”
Porque, no fim, o que a evangélica rapaziada deseja, mais as mãezinhas de mão no peito e lágrima ao canto da pochete Vuitton, mais o Duarte Pacheco que viu o Estaline, com o ananico Marques Mendes que gosta de fazer larachas com a tragédia humana, e a indecente Ferreira Leite que diz hoje exatamente o contrário do que dizia há um ano atrás, sem por isso alterar um músculo da carranca, e a terminar numa chusma de sacerdotes que adoram mais o filão e o saldo do que louvam a Deus, no fim, o que todos desejam é o lucro. Muito lucro.
É preciso para isso pilhar o erário público? Rebentar com o Estado, assaltar os contribuintes, inventar umas histórias? Qual é o problema? Avance-se sem hesitação ou temor, é o lucro privado que está em causa e com isso não se brinca.
E de repente, as “pobres” escolas privadas que não têm meios organizam uma muito bem estruturada campanha de marketing com materiais padronizados distribuídos por todo o país, apoiadas em agências de comunicação que, no fim, querem receber pelos serviços que forneceram e que serão pagos com os dinheiros públicos que elas exigem continuar a receber.
Deixemo-nos de tretas e cínicos argumentos para disfarçar a agenda ideológica defendida pelos diretórios dos partidos de direita PSD e CDS e pela igreja gorda, a que não gosta de Francisco nem pudor tem em utilizar as crianças para manifestações que nada mais são do que o pretexto para o confronto político com o governo.
Movidos pelo lucro, e por se imaginarem detentores de direitos e privilégios intocáveis que sustentam os seus vícios e lucros privados à custa dos impostos de todos os portugueses, mesmo que isso, no limite, resulte na exclusão do direito de acesso a um ensino público gratuito e de qualidade para todos e, em particular, para os filhos dos economicamente mais desfavorecidos.
A Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Conferência Episcopal Portuguesa, com o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, no exercício legítimo do seu direito de opinião e em plena liberdade, são objetivamente aliados conscientes e úteis da oposição de direita PSD/CDS, contra o governo socialista apoiado pelo PCP e pelo BE.
Nem sequer falo da hipocrisia do Episcopado, que primou pela ausência em defesa dos mais desfavorecidos e na luta contra a injustiça nos últimos quatros anos, e que vem agora a correr associar–se em comunicado na defesa dos interesses privados.
Convém não esquecer que boa parte das escolas privadas que beneficiam deste acordo com o Estado estão sob a alçada e gestão da Igreja.
Mas apesar dos meios, dos falsos argumentos, de um jornalismo cúmplice, em especial o das televisões, e da campanha de intoxicação de propaganda falsa sobre “liberdade de escolha” e “direitos”, não conseguem esconder que o que está em jogo é o financiamento de um negócio do setor privado, no valor de milhões de euros, com os dinheiros públicos, é a defesa de um poderoso lóbi e a criação de um mercado privado de serviços públicos pagos pelo Estado.
A ideia. no entanto. não passa. A esmagadora maioria dos cidadãos, da esquerda à direita, não está disposta a financiar colégios privados pagos pelo Estado quando há alternativa pública próxima.
Bem podem enganar e manipular pais e crianças, roupá-los de amarelo-canário e pô-los a marchar, que a manifestação de dia 18 de junho promovida pela CGTP e pela FENPROF em defesa da escola pública será a de gente bem consciente do que realmente está em causa, e serão de todas as cores, como tem de ser.