Banif. Esquema de 2013 serviu para mascarar rácios e deixa clientes lesados

Banif. Esquema de 2013 serviu para mascarar rácios e deixa clientes lesados


Banco convenceu clientes a contraírem empréstimos em vez de resgatarem obrigações que foram parar ao banco mau


E se, de repente, em vez de o deixarem resgatar um produto financeiro que subscreveu no seu banco, lhe propusessem um contrato de crédito para receber o dinheiro? Foi o que aconteceu a vários clientes do Banif. A situação já chegou à comissão de inquérito parlamentar e é comprovada por um contrato a que o i teve acesso. Mas ainda não há uma solução à vista.

A história começa em março de 2013, depois de o Estado ter entrado para o capital do Banif. Os problemas do banco começaram a ser notícia e isso fez com que alguns clientes corressem aos balcões para resgatar as obrigações subordinadas que tinham subscrito.

Ao balcão foi-lhes, contudo, proposta outra solução: contraírem um empréstimo no valor do seu investimento, ficando as obrigações como garantia.

Mascarar rácios O deputado do PS Eurico Brilhante Dias levou um destes casos à audição do presidente do banco que comprou o Banif, o Santander Totta – que é agora o titular destes contratos de crédito -, admitindo que pode estar-se perante uma “ilegalidade” e uma forma de “mascarar” os rácios do banco numa altura em que a situação financeira era já complicada.

É que, graças a este esquema, “há obrigações que não saíram do rácio core tier one [que estabelece o nível mínimo de capital que as instituições devem ter em função dos requisitos de fundos próprios decorrentes dos riscos associados à sua atividade]”, como apontou o deputado socialista na comissão de inquérito.

Por outras palavras, ao não deixar os clientes resgatar as obrigações subordinadas, substituindo-as por empréstimos, o banco manteve um rácio superior ao que teria caso não tivesse proposto estes contratos aos clientes.

Já com o Estado no banco “Lamento só dizer que, quando isto foi feito, o Estado já era acionista e a administração em causa já tinha sido reconduzida pelo próprio Estado”, comentou Eurico Brilhante Dias na audição do dia 11 deste mês, numa alusão à administração que estava em funções na altura e da qual fazia parte António Varela, nomeado pelo então ministro Vítor Gaspar, que chegou a ser o responsável pela supervisão bancária no Banco de Portugal.

Na altura, António Vieira Monteiro, presidente do Santander Totta – o banco que comprou o Banif -, foi pronto a reconhecer o problema, depois de Brilhante Dias lhe perguntar quantos clientes estariam nesta situação.

“Várias pessoas, sr. deputado. A resposta é simples: há várias pessoas”, admitiu Vieira Monteiro sem, contudo, adiantar o número de clientes que podem ter sido lesados por estes contratos e reconhecendo até que haverá casos semelhantes com outros produtos financeiros do Banif.

“Essas operações existem não só sobre as subordinadas, mas sobre outros instrumentos também”, afirmou o presidente do Santander Totta, que não sabe ainda como e se será possível ressarcir os clientes do Banif que contraíram estes empréstimos.

É que, tendo as obrigações subordinadas do Banif passado para o “banco mau”, o Santander não as pode reconhecer como garantia. Para já, António Vieira Monteiro diz apenas estar a “estudar as hipóteses de ressarcimento” dos clientes, adiantando que o banco que lidera está a estudar cada um dos casos para encontrar soluções. “E nós temos vários problemas desses. Não é só esse. Antes fosse só um. Mas como temos vários desses…”, foi reconhecendo António Vieira Monteiro no parlamento, sem querer entrar em muitas explicações sobre como poderá vir a ser resolvido o problema destes clientes do Banif.

Santander também lesado O responsável do Santander recorda, no entanto, que o banco que dirige está também a ser prejudicado pelos contratos que foram assinados em 2013. “É evidente que nós também somos prejudicados, porque nós entregámos créditos que deviam ter uma determinada garantia”, sublinhou o banqueiro, que informou a comissão de inquérito da intenção do Santander de “negociar com as pessoas toda a situação”.

Na realidade, esta negociação põe um problema aos clientes que contraíram os empréstimos: tendo recebido o dinheiro e estando a pagar juros por ele, podem ver-se obrigados a prestar uma nova garantia ao Santander, já que as obrigações subordinadas deixaram de poder cumprir essa função.

margarida.davim@ionline.pt