Áustria. Novo susto em Viena serve de alerta para o que aí vem

Áustria. Novo susto em Viena serve de alerta para o que aí vem


O voto urbano no ecologista Alexander Van der Bellen impediu a Áustria de eleger o primeiro presidente de extrema-direita na Europa desde o fim da ii Guerra Mundial. A fórmula francesa voltou a derrotar os populistas antimigração, mas os 49,7% de Norbert Hofer são uma ameaça ao tradicionalismo nas votações que se aproximam


Em 1999, naquele que terá sido o primeiro grande aviso aos partidos tradicionais europeus, o eleitorado austríaco fascinou-se com o discurso populista do então líder da extrema-direita Jörg Heider, que acabou como o segundo mais votado das legislativas e com o seu FPÖ na coligação governativa. Nesse mesmo dia, Os Verdes de Alexander Van der Bellen ficaram-se pelos 342 mil votos ou 7,4%.

Dezassete anos depois, os sociais-democratas do SPÖ e os democratas-cristãos do ÖVP – membros da coligação governamental – viram-se afastados da segunda volta de umas presidenciais que tornaram Van der Bellen o primeiro ecologista a presidir a um Estado europeu. A votação foi disputada até ao sprint final com a nova estrela da extrema-direita, Norbert Hofer, cujo lema de campanha era “a Áustria e os austríacos primeiro”.

Acabou em pouco mais de 31 mil votos, num universo de 4,6 milhões de votantes, a diferença entre os dois candidatos, cujo perfil não poderia ser mais contrastante: se Hofer ataca os refugiados, Van der Bellen é ele próprio filho de um casal de russos que se refugiou na Áustria para fugir à tirania estalinista – “nunca me ouvirão defender que os meus pais deviam ter sido rejeitados”, repetiu durante a campanha em defesa da política de integração.

Mais do que mostrar um país partido ao meio – a adesão rural à xenofobia de Hofer parecia ser suficiente para superar a preferência urbana por Van der Bellen, que só passou para a frente depois de recontados os votos nas grandes cidades -, as presidenciais austríacas servem de aviso para todo um continente que assiste à ascensão de movimentos populistas à medida que a crise financeira se arrasta.

A vitória do homem que em 2008 se demitiu da liderança d’Os Verdes – e que agora avançou como independente apesar do apoio financeiro do partido – não terá sido apenas um alívio para os governantes austríacos, como também para a elite europeia, que se mostrara muito preocupada com o possível regresso da extrema-direita à esfera do poder continental, 70 anos depois do fim da ii Guerra Mundial.

Num país que em 2015 aceitou 90 mil pedidos de asilo, o discurso de Norbert Hofer já foi suficiente para vencer a primeira volta com 35% dos votos, mais 14% do que o segundo classificado – resultado que levou a uma reação idêntica à vivida em França há apenas seis meses, quando as surpreendentes vitórias da Frente Nacional de Marine Le Pen na primeira volta das regionais francesas provocaram o pânico entre as forças políticas tradicionais, dentro e fora do país. Os socialistas do presidente François Hollande viram–se até forçados a apoiar candidatos dos rivais conservadores como forma de impedir que Le Pen chegasse ao poder.

Efeito Juncker Na sexta-feira, vésperas da votação decisiva, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, não hesitou em interferir diretamente no processo eleitoral: “Não desejo que o candidato da FPÖ se torne presidente da Áustria. Espero que o candidato d’Os Verdes vença.” Mas se a declaração foi inequívoca, as suas consequências foram-no menos, pois o euroceticismo está bem presente no eleitorado – de tal forma que, juntando o ÖVP e o SPÖ ao apoio aos ecologistas, a diferença final ficou-se por 31 mil votos em 4,6 milhões de votantes.

Norbert Hofer conseguiu os votos de 49,7% dos austríacos apesar de ter sido alvo da fórmula que derrotou Jean-Marie Le Pen nas presidenciais francesas em 2002 e a sua filha nas regionais de 2015. Mas dentro de ano e meio, ela poderá não ser suficiente para impedir a líder da extrema-direita francesa de capitalizar definitivamente a impopularidade do governo socialista e da oposição conservadora.

E a tendência não é visível apenas nestes dois Estados-membros: Nigel Farage, o líder da direita eurocética britânica, conquistou 3,9 milhões de votos nas legislativas de 2015 – uma votação quase sete vezes superior ao que alcançara 10 anos antes e que se traduziu na eleição de apenas um deputado devido às particularidades do sistema eleitoral britânico, que elege um representante por cada círculo eleitoral (o vencedor nesse círculo).

Mas Farage aposta tudo no referendo à filiação europeia do Reino Unido, que no próximo mês pode ditar a sua saída da Europa. E por todo o continente vão surgindo defensores da mesma solução. Os eurocéticos germânicos da Alternativa para a Alemanha (AfD) estrearam–se com dois milhões de votos nas europeias de 2014.

A crise dos refugiados e o liberalismo de Merkel na matéria são agora apontados como principal razão para os resultados alcançados em março por esta formação nascida apenas em 2013. Em três importantes eleições regionais, a AfD roubou votos à CDU, incluindo em Baden-Württemberg, onde os democratas-cristãos da chanceler governavam ininterruptamente desde a reunificação do país.

Bulgária, Dinamarca, Grécia, Hungria, Letónia e Itália são outros Estados-membros que já constataram nas urnas o desgaste dos partidos tradicionais e a ascensão de movimentos populistas da esquerda e da direita. E entre presidenciais (Bulgária) e referendos à Constituição (Itália), algumas terão votações importantes ainda antes das tão temidas presidenciais francesas de 2017.