Quis o acaso que uma curta estada em Sesimbra apanhasse o feriado municipal, festa em honra do Senhor Jesus das Chagas, com direito a procissão e tudo: o andor, atapetado de flores, serve de apoio a um Cristo muito crucificado, cabeça pendente e farta cabeleira ondulando à brisa da tarde e aos solavancos ritmados da charola nas pedras da calçada – na parte de trás da cruz alçada ergue-se uma outra também de flores. Sesimbra é uma pitoresca vila em plano inclinado onde o casario branco se acotovela ao redor de ruas e ruelas, algumas até com escadas para abrandar a passada, para se vir arregaçar à volta da baía rematada por praias de areia fina e lambidas pelo mar a fingir que é lago, tão brando e esticado se mostra. Até lhe dar a fúria, que o Atlântico é muito dado a elas. Numa das extremidades da baía fica o porto de pesca e os barcos lá amontoados no intervalo da faina. Na hora da procissão saem em bando a percorrer a linha de costa e, sempre que o andor para e é virado para o mar, os barcos embicam na mesma direção e apitam. E andam nisto até não haver mais travessa ou nesga de rua para se espreitarem, barcos e andor. Em terra segue o cortejo com dezenas de devotos, de todas as idades e condições, em duas filas a par, envergando uma capa vermelha dita da Irmandade das Chagas. Veem-se várias mulheres descalças, levando círios e ex-votos, e à pergunta “porquê?”, a resposta foi “é promessa”. Está tudo dito. Umas boas três horas depois, a procissão, que a fanfarra dos bombeiros abre e uma filarmónica encerra, desce uma última vez antes de recolher numa igrejinha plantada junto ao jardim central, e atrás da banda vem uma mole de gente do tamanho da rua. Que maravilha, esta festa das Chagas!
Outra chaga é a Comissão Europeia que, após a última reunião semanal ordinária, em que os comissários não conseguiram pôr-se de acordo, deu a entender que Portugal (e Espanha) poderá vir a ser alvo de sanções por défice excessivo. A notícia, explorada até ao tutano pela imprensa, serviu de mote às reações mais espantosas. Desde a óbvia e imediata rejeição, passando por supostas cartas de membros do anterior governo a pedir clemência à Comissão, às inevitáveis acusações e trocas de culpas. Para espevitar o fandango, ainda veio a lume que o líder do principal grupo parlamentar europeu, PPE, que como se sabe abriga os portugueses PSD e CDS, também escreveu a exortar a Comissão ao uso de “força máxima” na aplicação “de todos os instrumentos, incluindo os da vertente corretiva”. Nem mais. A pirueta mais estapafúrdia, porém, terá sido a de sociais-democratas, admitindo que a CE parece querer castigar Portugal não pelo passado (tão elogiado), mas pelo presente: um governo e uma maioria parlamentar inconvenientes e a fazer finca-pé num OE que à viva força querem ver retificado para pior: mais cortes. Donde, a haver sanções, a culpa é do atual governo. Haverá dúvidas? Isto é linear!
Se não fosse tão requintadamente intrincado, até dava para fazer outra festa das chagas! Que não a das Chagas, de Sesimbra.
Gestora