Ninguém gosta que lhe mexam no caderno. Sim, mãe, não tirei apontamentos o semestre todo mas tira a mão. Ou já disse para avisares a Alzira que não a quero a tocar na minha caixa de cortiça. O caderno aqui é nosso serve, analogia para há lugares a que só se vai se for sozinho, no máximo, e aí vamos de mão dada tal é a cegueira com que confiamos, a dois. É que Mitó Mendes e Sandra Baptista, antes disto, iam a quatro. E não é sequer que não fossem bem – nessa lâmina que já deixa saudades que era A Naifa o estranho seria estar mal -, só que, por vezes, quer-se ficar mais um pouco ou ter vaga para dizer que hoje nem sequer vamos, que neste canto cheio de pó se há de encontrar o que não se sabe que se procura.
É essa falta de intenção, meio inocente, que se inscrevem as Señoritas, duo composto pelas ex-A Naifa, “queríamos apenas passar um bocado as duas”, começa por avisar Sandra Baptista, espécie de conceito de guardar caixão se isto fosse o jogo da apanhada. Só que não é, daí que Sandra prefira outra imagem que lhes serve de vestido: “No fundo isto começou por ser o nosso coito, uma forma de estar na vida no sentido em que duas mulheres, em vez de irem beber copos e falarem da vida de uma determinada maneira, nós decidimos começar a cantá-la e a instrumentalizá-la”. Dito isto, tudo dito. O coito destas duas artistas pariu uma banda, palavra arriscada quando falamos de um projeto tão íntimo e minimal.
Uma voz – quanto muito duas – um baixo e um acordeão é, de facto, uma lista curta. A não ser que o objetivo das compras seja encher a dispensa para o mês não nos parece que venha mal ao mundo, e às Señoritas também não. “Não é uma coisa muito pensada, até é mais ir buscar o primeiro impacto, a primeira impressão que tiveste ao criar e desenvolver isso. Se calhar há músicas que nem têm aquele refrão obrigatório, este é um projeto fora do formato porque estamos a fazer absolutamente aquilo que nos apetece e o que nos saiu da pele”, conta.
E lá desse espaço só delas, impossível de arrendar, poucas foram as partículas que se escaparam pela nesga da janela. Pela fechadura libertaram “Nova”, single de avanço para “Acho que é meu dever não gostar”, título de faixa e de disco, a editar lá para setembro. Single trapaceiro, pelos vistos, “é descontraída, foge ao disco todo, é mais uma canção primavera/verão enquanto que as outras são mais invernosas”, diz Sandra Baptista antes de acrescentar que esta “Nova” é um embuste desejável e que “reflete esta nossa forma de estar, aquela coisa da mulher que tem que estar sempre impecável, vitaminada, boa, gira”.
Para as Señoritas mulher que é mulher tem celulite e quer-lá-saber-disso-para-alguma-coisa. Adivinham-se mares agitados, tensão de ser quase pouco estético, acordeão nervoso a fugir ou a pautar, e a incrível voz de Mitó Mendes, que também se estreia na guitarra. Nota a nota urge a partilha, encontros espontâneos que, por certo, viram descoberta, como nos confirma Sandra Baptista: “Temos descoberto o nosso lado desconfortável e estamos a vivê-lo. E esta coisa de já estares nos quarenta anos dá-te essa sabedoria e esse desprezo, vá, perante aquela coisa que és obrigada a fazer, a formatação que a própria sociedade te impõe. Já não temos nada a perder, já tivemos os nossos cinco minutos de fama. Estamos numa fase muito libertadora”. Um coito desconfortável, portanto, que lhes faz tão bem.