Raquel Tavares. “Ser fadista é a minha condição”

Raquel Tavares. “Ser fadista é a minha condição”


Para muitos foi sempre vista como a mais tradicional das fadistas da nova geração. Mas, depois de oito anos sem gravar, Raquel Tavares regressa com “Raquel”, um trabalho onde colabora com nomes tão distintos como RuiVeloso, Rui Massena e Carlão. Um trabalho que começou por um libertar de preconceitos e prisões e que prova que,…


Não lançava um álbum há oito anos e apresenta este novo trabalho, “Raquel”, como sendo mais aberto ao mundo e como refletindo vivência. Foi difícil atingir esse patamar?

Não diria difícil, mas foi um processo complexo. Sabia que não queria fazer um disco de fado tradicional, mas não sabia exatamente o que queria fazer. E para tal contei com a ajuda preciosa dos três produtores: o Tiago Bettencourt, o Fred Ferreira e o João Pedro Ruela.

O que é que cada um deles lhe trouxe?

O Fred Ferreira trouxe o lado da world music, porque participa em projetos como os Ovelha Negra, os Buraka Som Sistema e a Banda do Mar. O Tiago Bettencourt é um dos cantores da atualidade, é um artista muito contemporâneo. E o João Pedro Ruela é uma pessoa que está atenta à indústria e que sabe o que é necessário para ter um disco coerente. Foi um processo trabalhoso mas não foi difícil, sobretudo a partir do momento em que recebemos o tema do Jorge Cruz, o “Meu Amor de Longe”, que acabou por ser o primeiro single. Quando ouvimos este tema imediatamente percebemos que o caminho era este, de uma enorme portugalidade. Não é um disco de fado tradicional, mas é um disco muito português. E eu não deixei de ser fadista porque ser fadista é a minha condição. Aliás, neste álbum também gravei alguns fados. Mas acima de tudo gravei boas canções portuguesas. E estou muito orgulhosa deste equilíbrio.

Para alguém que foi sempre apontada como uma das mais tradicionais fadistas da nova geração, este foi um corte do cordão umbilical?

Foi sobretudo um abrir de horizontes. Durante estes oito anos em que estive sem gravar viajei imenso, conheci novos artistas, partilhei palco com muita gente, estive muito tempo no Brasil que é um país muito despreconceituoso no que diz respeito à música. Foi lá que aprendi a ser despreconceituosa comigo mesma. Se há oito anos não me imaginava a fazer outra coisa senão fado tradicional, depois de começar a viajar e a propor-me a cantar outras coisas – como entretanto cantei – pensei que, se não me deixasse influenciar por essas experiências, estava a bloquear-me. Tenho 31 anos, se não o fizesse agora quando é que o faria?

Mas sentia-se presa?

Era como se estivesse de mãos atadas ao esquema tradicional em que fui criada. Mas eu não deixei de ser a fadista tradicional, sou é a fadista tradicional que também canta outras coisas. E ao fazê-lo estou a ser honesta com quem sou, este é um disco extremamente honesto.

Ao longo destes oito anos sentiu a pressão para lançar um novo álbum?

Não. Tive muito tempo, muita calma, não senti pressão, assisti tranquilamente à evolução da indústria, que acho que está numa fase brilhante para a música portuguesa, que está cada vez mais presente nas vidas das pessoas e nas rádios. Aliás, acho que tive muita sorte porque estes oito anos não foram premeditados mas criaram muita expectativa. Foi uma técnica de marketing perfeita [risos].

Ainda por cima estes foram anos em que não gravou mas esteve muito presente nas vidas dos portugueses, como por exemplo na televisão.

Claro que a televisão foi importante para me manter presente no imaginário das pessoas. Mas nunca deixei de ter concertos esgotados em todas as salas do país e continuei a trabalhar pela Europa fora. E, como já disse, estive muito no Brasil onde o meu concerto no festival de fado foi considerado um dos cinco melhores do ano pela “Folha de São Paulo”, o que me deixou muito orgulhosa.

O Brasil é um mercado que, em termos de trabalho, apresenta boas perspectivas?

Claramente. O Brasil finalmente abriu os braços ao fado e para tal tenho de dar os parabéns a pessoas como o António Zambujo, a Cuca Roseta, a Carminho, a Ana Moura. Eles abriram portas fundamentais. NoBrasil ainda eram um bocadinho preconceituosos e ainda achavam que nos éramos todas gordas, vestíamos preto e tínhamos buço. Agora estamos muito bem conotados e enchemos salas no Brasil. Finalmente o povo brasileiro está a recebermo-nos como nós toda a vida os recebemos.

Há muitas colaborações neste álbum, mas alguns nomes saltam à vista: Rui Veloso, Rui Massena, Carlão, Malu Magalhães. Porquê estes músicos?

Porque são meus amigos [risos]. E é por isso que o álbum se chama “Raquel”. Aliás, até é por aqui que devo iniciar a minha resposta: o disco chama-se “Raquel” porque queria que fosse um disco de amigos para amigos e os meus amigos não me chamam Raquel Tavares, chamam-me Raquel. E tenho a sorte de ter amigos extraordinários na música, como é o caso do António Zambujo, do Miguel Araújo, da Malu Magalhães, do Carlão, do Rui Massena. São meus amigos antes de serem artistas inacreditáveis. Portanto eu não fiz mais do que convidar os meus amigos, que são pessoas que admiro do ponto de vista musical, a comporem dentro do fio condutor deste álbum. Foi muito fácil reunir o reportório, cada tema deste álbum tem um porquê, não há aqui temas à toa, para encher.

O facto de ter envolvido tantos amigos neste trabalho fez com que as gravações tivessem um certo sabor a festa?

Foi mesmo. Basta dizer que demorei apenas dois dias a pôr vozes no álbum. Porque foi tudo tão simples, estava tudo tão perfeito, que eu só tive de cantar e assim tentar embelezar toda a arte que os músicos e autores já tinham feito. 

Depois de uma primeira apresentação deste álbum, na FNAC do Chiado, vai estar no CCB a 20 de maio. Todos esses amigos estarão em palco consigo?

Não. Não vou ter convidados, serei eu e os músicos que me acompanham. Mas estou muito expectatnte porque é uma sala mítica, onde já cantei mas nunca em nome próprio. Estou a trabalhar muito neste concerto. Vou apresentar este álbum, mas também vou cantar outros temas e fado tradicional. E depois deste concerto foi estar no Caixa Ribeira, no NOS Alive, no Caixa Alfama, e vou estar em tournée por Portugal e por outras cidades europeias. Mas o maior foco será o Brasil e os EUA.

Sente algum receio em relação à forma como o público vai entender estas sonoridades tão diferentes?

Com todo o respeito e passando a imodéstia, já não tenho de provar a ninguém que sou fadista. Canto fado há 26 anos. Toda a minha vida defendi o fado tradicional e a antiga geração. Homenageei todos os fadistas tradicionais. Aliás, este disco é dedicado à dona Beatriz da Conceição que faleceu no ano passado e que é a minha maior referência. Em qualquer entrevista falo deles e eles mantêm-se sempre na minha vida. E tenho o aval daqueles que ainda cá andam, que me disseram sempre para cantar de verdade porque enquanto cantasse de verdade seria sempre fado.

O que acha que o mestre Fernando Maurício que a iniciou, ainda menina, no fado, diria deste trabalho?

Ai… Acho que o Fernando dir-me-ia sempre para nunca deixar de cantar fado, que é o que a Maria da Fé me diz. A Maria da Fé, a quem chamo de tia e que é como família, adorou o meu disco, emocionou-se, mas pediu-me para, por favor, não deixar o fado. Estou a arrepiar-me toda… Acho que é o que o Maurício me diria. Tal como a própria Beatriz, a quem ainda fui a tempo de pedir autorização para gravar o “Deste-me umBeijo e Vivi”. Acho que ela me diria: ‘Oh formiga, tu podes cantar essas coisas todas, mas não te esqueças que és fadista’.