Há gente para quem o som do revólver se torna tu-cá-tu-lá. Poucos se podem dignar a assumi-lo como M.I.A., artista que sempre dispensou a simpatia, ativista de dedo pronto para carregar na ferida, mulher em formato rebuçado sempre pronto a explodir. Já em “Paper Planes” – faixa de “Kala”, segundo disco, e talvez a sua música mais reconhecida pelo público em geral – a inglesa, originária de uma família do Sri Lanka, o anunciava com um sample repleto de disparos, balas a ecoar, sobre as quais assentavam o refrão mordaz, algo que não consegue deixar de ser. Estávamos em 2007 e M.I.A. cantava: “I fly like paper, get high like planes / If you catch me at the border I got visas in my name”.
Façamos o favor de deixar a água correr porque ou muita tinta secou ou M.I.A. se perdeu entre as polémicas. A juntar às recentes uma nova: “Vou entregar o meu último LP à minha editora americana esta semana. Serão eles a decidir se vai ou não ser editado.Não tenho visto nos EUA para o promover”. Tudo isto no Twitter antes de acrescentar: “Não consigo percorrer os EUA sem um visto, talvez tenha que começar a escrever músicas para o DJ Khaled e para a Selena Gomez para ser ouvida”, remata. Com cartão ou sem cartão – que nem sempre se tem, verdade seja dita, e já agora esclarecer que visa é a palavra em inglês para visto, mas nada tem que ver com o nosso visa cartão de crédito – “Matahdatah” é o seu quinto disco, já pronto, e à espera de ser editado e, consequentemente, escutado.
M.I.A, nascida Mathangi Arulpragasam há 40 anos, já havia anunciado que este próximo disco seria uma espécie de disco-filme, um conceito ‘broader then a border’. Prova disso foi um dos singles de avanço, “Borders”, cujo teledisco ficciona uma fronteira – arame farpado e tudo – a ser assaltada por uma imensidão de refugiados. Mas há mais: “Matahdatah Scroll 01 ‘Broader Than A Border’”, é um vídeo editado em novembro de 2015, antecipando a faixa “Warriors”, onde a rapper surge junto a duas comunidades com géneros de dança específicos, uma na Índia e outra na Costa do Marfim, heranças culturais que quer atirar à cara do mundo ocidental. Foi precisamente com esse objeto que M.I.A. lançou uma polémica tão grande nas redes sociais que foi acusada de apropriação cultural. E o filme não acaba aqui.
A rapper não dá descanso a ninguém, chegando mesmo a questionar, no último mês de abril, a propósito da campanha solidária Black Lives Matter: “Is Beyoncé or Kendrick Lamar going to say Muslim Live Matter? Or Syrian Lives Matter?”, sugerindo esta como uma “questão mais interessante” do que aquela que tem sido protagonizado por grande parte dos artistas afro-americanos.
A inglesa já havia posto na internet “MIA OLA (Foreign Friend)” no último mês de março, mais um dado que “Matahdatah” é um projeto que se pretende maior que um disco, caso para dizer que se for, efetivamente, o seu último álbum para a sua editora norte-americana (N.E.E.T Recordings – que significa Not in Education, Employment or Training), perdemos todos. “Rewear It” é outro dos seus últimos telediscos que se baseia numa campanha que fez com a H&M para a World Recycle Week.
Resta ainda perceber se o problema de M.I.A. se prende apenas com o mercado norte-americano ou se esta será, de uma vez por todas, a sua despedida. Mas não é que seja um adeus eterno, Mathangi Arulpragasam parece ter muito por onde nos continuar a alimentar: do ativismo, ao cinema, quem sabe até se não se candidata a um cargo político. Qualquer que seja o cenário, a rapper vai precisar de visa. Desta vez aquele do crédito.