Matter Fictions. A sustentável transformação da matéria

Matter Fictions. A sustentável transformação da matéria


Arranca hoje, no Museu Coleção Berardo, a exposição “Matter Fictions”. Um olhar irreverente sobre o eu, a linguagem, a matéria e o planeta, que mostra que a arte não vive isolada do mundo e da vida


O artista trancado no seu ateliê, fechado do mundo, recolhido no seu próprio universo, é imagem datada. Não corresponde mais à realidade atual, o artista cheio de si, que despreza o mundo que o rodeia, iludido pela ideia de que nada pode ser mais interessante do que o seu próprio universo. O artista de hoje, o artista no hoje, é, ou deve ser, ao invés, um pólo catalisador, por um lado, mas também uma peça na engrenagem, pelo outro. Não existe apenas por si e para si, mas antes num universo que coexiste. E o artista de hoje é – ou existe em paralelo com – o engenheiro, o cientista, o alquimista, o ativista. Tem uma palavra a dizer, uma lei a mudar, uma investigação a fazer. E, desta forma, considera também que o mundo não é mais composto de partes isoladas, mas antes partes que interagem, mesmo quando não percebem que o fazem. Porque o bater de asas de uma borboleta pode provocar um tufão do outro lado do mundo, da mesma forma que a extração de águas no Canadá se pode traduzir em enchentes no Bangladesh, como ilustra o vídeo “Deep Weather”, de Ursula Biemann, uma das criações em exibição na exposição “Matter Fictions”, que hoje arranca no Museu Coleção Berardo, onde ficará até 21 de agosto.

“Aqui reformula-se a posição do artista. A arte já não pode existir só nos museus e nas galerias mas tem de ser integrada e reflectir diferentes linguagens que podem até implicar a reformulação de leis e o dar novas formas de ler o mundo, que nos permitem estar mais atentos a esse mesmo mundo”, explica Margarida Mendes, diretora desde 2009 do espaço “The Barber Shop” e curadora desta mostra. E é o que acontece, por exemplo, com o trabalho do colectivo da Coreia do Sul, Listen to the City, do qual duas das suas integrantes, de passagem por Lisboa, se apressam a esclarecer: “Acima de tudo somos ativistas. Depois também produzimos vídeo, fotografias, livros, arte”.

A “Matter Fictions” trouxeram duas fotografias e uma instalação em bambu, algodão, pedras e areia, que simbolizam a sua luta contra a intenção do governo local em privatizar a água. Uma luta onde a arte é uma das armas, mas que já implicou que processassem o Estado sul-coreano e que, através de crowdfunding, comprassem um terreno localizado numa zona fundamental para a execução desta obra.

Ao longo dos quatro núcleos que compõem esta exposição – A Descolonização do Signo (da poesia concreta à feitiçaria digital), Fora da Rede (alquimia e circuitos metabólicos), Ficções Moleculares e Territoriais, Recodificando a Terra (política material hoje) – faz-se uma viagem pelo trabalho dos artistas Ana Hatherly, E.M. de Melo e Castro, The Otolith Group, Orphan Drift, Mumtazz, Nina Canell, Joana Escoval, Jenna Sutela, André Sousa, Ursula Biemann, Zhou Tao, Nobuko Tsuchiya, Diogo Evangelista, Martin Howse, Ryan Jordan, Jonathan Kemp, Don’t Follow the Wind, Listen to the City, Inhabitants e Liu Chuang, procurando entender a relação entre Homem, matéria e linguagem e “de que forma a matéria é transformada ao ritmo de uma corrente de lava”, num “tempo que exige a nossa intervenção perante as alterações climatéricas.” E estando sempre presente também “uma certa ideia de ficção”, explica Margarida Mendes. E de convite à imaginação do que pode ser o mundo pós intervenção humana.