O aeroporto onde os polícias se sentem inseguros


Aeroporto de Bruxelas, 2 de maio de 2016, 15h00. Milhares e milhares de pessoas amontoam-se naquilo que nem no Burquina Faso se qualificaria como “fila”


Aeroporto de Bruxelas, 2 de maio de 2016, 15h00. Milhares e milhares de pessoas amontoam-se naquilo que nem no Burquina Faso se qualificaria como “fila”.

A coisa dura há várias horas e é organizada por um conjunto de criaturas que têm em comum uma coleira têxtil de onde pende um cartão em plástico, que funciona como título de autoridade, e a mais absoluta incapacidade de organizar o que quer que seja. Há também polícias que passam alheados e de colete à prova de bala. Patrulhas de jovens militares em binómio homem-homem circulam de quando em vez, de camuflado, FN-MAG alçada e três carregadores de reserva na cartucheira. Mais alegres e ainda mais numerosos, saltitam inúmeros jovens pedidos de empréstimo a uma empresa de trabalho temporário por uma multinacional de serviços de portaria, receção e, não rir, “segurança”. Se alguém tiver a triste ideia de rebentar um saco de papel, o pânico é garantido e muitos morrerão esmagados pelo tropel.

No dia 2 de maio, o aeroporto de Bruxelas “reabriu” para os voos que ainda não tinham sido incluídos no retomar das operações, limitadas inicialmente, depois dos atentados de março, a 20% da capacidade normal. Para quem não saiba da história, aqui fica a crónica: a reabertura condicionada do aeroporto foi decidida pelos sindicatos da polícia do “plat pays”, que consideraram que “os seus associados não se sentiam seguros se o aeroporto reabrisse”. Depois de 48 horas de negociações com o ministro federal da Administração Interna, que providencialmente se encontrava em Nova Iorque, os sindicatos concordaram com a reabertura condicionada do aeroporto, limitada a 20% da operação normal e com controlos de segurança duplicados, com o primeiro controlo a ocorrer fora do terminal, em tendas montadas na estrada. E, pequeno detalhe absolutamente irrelevante, os sindicatos concordaram em receber, pelo período de tempo que resta até ao final do ano, um cheque de 2 milhões de euros para reforçar as despesas com os serviços policiais no aeroporto.

Os controlos no exterior são feitos com oito máquinas de raio-X, quando no interior do aeroporto há normalmente 30. Dir-se-ia que a matemática conspira contra a liberdade sindical. Os cidadãos passageiros continuam a pagar ao aeroporto de Zaventem, no preço dos bilhetes de avião, um conjunto de taxas de segurança e de serviços aeroportuários que não são prestados capazmente. Numa taxa há uma obrigação de sinalagma entre o serviço prestado e o preço pago. Em Zaventem passou a haver extorsão: a duração da penitência da entrada no aeroporto de Bruxelas é superior à duração da viagem para a maioria dos destinos europeus servidos pelo aeroporto. Passou também a haver piscadelas de olho feitas pelos conterrâneos dos jovens contratados pela empresa de segurança privada. E com a piscadela de olho vem a ultrapassagem dos que estão, ovinamente e há muito, nas filas intermináveis.

Nenhum aeroporto no mundo e nenhum especialista em segurança digno desse nome alguma vez sugeriu uma solução que passe pela duplicação dos controlos de segurança, mantendo milhares de passageiros em rebanho, amontoados nos parques de estacionamento, sem qualquer canal prioritário para crianças, grávidas, idosos ou deficientes.

Contentes no meio do rebanho só mesmo os dois travestis brasileiros que, desfazendo-se em sorrisos, aguardavam com esperança e alegria a chegada a mais um rigoroso controlo de segurança.

Não é verdade que o sol quando nasce seja para todos.


O aeroporto onde os polícias se sentem inseguros


Aeroporto de Bruxelas, 2 de maio de 2016, 15h00. Milhares e milhares de pessoas amontoam-se naquilo que nem no Burquina Faso se qualificaria como “fila”


Aeroporto de Bruxelas, 2 de maio de 2016, 15h00. Milhares e milhares de pessoas amontoam-se naquilo que nem no Burquina Faso se qualificaria como “fila”.

A coisa dura há várias horas e é organizada por um conjunto de criaturas que têm em comum uma coleira têxtil de onde pende um cartão em plástico, que funciona como título de autoridade, e a mais absoluta incapacidade de organizar o que quer que seja. Há também polícias que passam alheados e de colete à prova de bala. Patrulhas de jovens militares em binómio homem-homem circulam de quando em vez, de camuflado, FN-MAG alçada e três carregadores de reserva na cartucheira. Mais alegres e ainda mais numerosos, saltitam inúmeros jovens pedidos de empréstimo a uma empresa de trabalho temporário por uma multinacional de serviços de portaria, receção e, não rir, “segurança”. Se alguém tiver a triste ideia de rebentar um saco de papel, o pânico é garantido e muitos morrerão esmagados pelo tropel.

No dia 2 de maio, o aeroporto de Bruxelas “reabriu” para os voos que ainda não tinham sido incluídos no retomar das operações, limitadas inicialmente, depois dos atentados de março, a 20% da capacidade normal. Para quem não saiba da história, aqui fica a crónica: a reabertura condicionada do aeroporto foi decidida pelos sindicatos da polícia do “plat pays”, que consideraram que “os seus associados não se sentiam seguros se o aeroporto reabrisse”. Depois de 48 horas de negociações com o ministro federal da Administração Interna, que providencialmente se encontrava em Nova Iorque, os sindicatos concordaram com a reabertura condicionada do aeroporto, limitada a 20% da operação normal e com controlos de segurança duplicados, com o primeiro controlo a ocorrer fora do terminal, em tendas montadas na estrada. E, pequeno detalhe absolutamente irrelevante, os sindicatos concordaram em receber, pelo período de tempo que resta até ao final do ano, um cheque de 2 milhões de euros para reforçar as despesas com os serviços policiais no aeroporto.

Os controlos no exterior são feitos com oito máquinas de raio-X, quando no interior do aeroporto há normalmente 30. Dir-se-ia que a matemática conspira contra a liberdade sindical. Os cidadãos passageiros continuam a pagar ao aeroporto de Zaventem, no preço dos bilhetes de avião, um conjunto de taxas de segurança e de serviços aeroportuários que não são prestados capazmente. Numa taxa há uma obrigação de sinalagma entre o serviço prestado e o preço pago. Em Zaventem passou a haver extorsão: a duração da penitência da entrada no aeroporto de Bruxelas é superior à duração da viagem para a maioria dos destinos europeus servidos pelo aeroporto. Passou também a haver piscadelas de olho feitas pelos conterrâneos dos jovens contratados pela empresa de segurança privada. E com a piscadela de olho vem a ultrapassagem dos que estão, ovinamente e há muito, nas filas intermináveis.

Nenhum aeroporto no mundo e nenhum especialista em segurança digno desse nome alguma vez sugeriu uma solução que passe pela duplicação dos controlos de segurança, mantendo milhares de passageiros em rebanho, amontoados nos parques de estacionamento, sem qualquer canal prioritário para crianças, grávidas, idosos ou deficientes.

Contentes no meio do rebanho só mesmo os dois travestis brasileiros que, desfazendo-se em sorrisos, aguardavam com esperança e alegria a chegada a mais um rigoroso controlo de segurança.

Não é verdade que o sol quando nasce seja para todos.