Apócrifa. Com quantos poemas se faz uma revista

Apócrifa. Com quantos poemas se faz uma revista


Há dois anos, Vasco Macedo fundou com um grupo de colegas uma revista de poesia independente que publica textos inéditos de jovens escritores. Ao quinto número, apresentado esta noite na Galeria Zé dos Bois, já vão em mil os exemplares vendidos


Diz o dicionário que apócrifo é um texto de autoria duvidosa, algo que é considerado falso, na poesia algo que não é do autor a que se atribui. No feminino não deixa de ser adjetivo para tudo isto mas é também nome de uma revista de poesia independente cujo quinto número Vasco Macedo, Beatriz de Almeida Rodrigues e Adriana Santos apresentam  esta noite no terraço da Galeria Zé dos Bois, no Bairro Alto. Uma revista “dedicada a originais inéditos de escritores jovens”, fundada em 2014 por um grupo do qual apenas Vasco fazia parte, anuncia Beatriz como aviso de início de conversa. Conversa transportada do terraço para o interior da ZDB, coisa mais que provável que aconteça esta noite.

Façamos então uma viagem ao passado para algures antes do início de 2014, altura em que Vasco Macedo, então aluno da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Nova, começou a organizar sessões de leitura de poesia em sua casa. “Convidava pessoas com quem achava que era interessante estar a ler em conjunto e foi a partir dessas reuniões que começámos a ver que havia alguma forma de cumplicidade, que partilhávamos algumas referências comuns, que tínhamos algumas afinidades.” A partir daí começou a formar-se a ideia de uma nova revista que fosse espelho daquilo que queriam, daquilo de que gostavam.  Criaram então a “Apócrifa”, apresentaram o primeiro número na Fábrica do Braço de Prata no início de 2014.

Imprimiram então uma centena de exemplares que distribuíram eles próprios por Lisboa, gratuitamente. “Depois percebemos que isso nos ia levar à ruína e começámos a vender a preço de custo”, sorri Vasco que, mais de dois anos depois lança o quinto número da revista, com o tema “Narciso”, na companhia de Beatriz de Almeida Rodrigues, de 19 anos, estudante de Relações Internacionais e responsável pela revisão dos textos e pela distribuição e divulgação da revista, e Adriana Santos, de 24, que estudou Desenho nas Belas Artes e tratou de toda a parte gráfica deste último número – que, importa dizer, foi impresso e encadernado manualmente na reprografia da associação de estudantes da Faculdade de Belas Artes. Tarefa árdua para uma tiragem de 150 exemplares, que provavelmente exigirão uma segunda, como tem acontecido nos números anteriores. Desde 2014, a “Apócrifa” já vendeu cerca de mil exemplares, com poemas de 24 autores.

Além de Vasco, que é o responsável pela seleção dos textos, também Beatriz está entre esses autores. Foi aliás assim que chegou à revista, depois de Vasco ter lido um post seu no Facebook e ter decidido convidá-la para escrever. “Foi a primeira vez que alguém me disse que o que eu escrevo é prosa poética”, recorda ela.

“Muitas das pessoas que publicam na ‘Apócrifa’ de um modo geral são muito jovens”, diz Beatriz, que assina três poemas neste número. “Acho que não existe nenhuma revista com o mesmo espírito, disposta a publicar pessoas que em muitos casos nunca publicaram, que não têm grande conexão com o meio poético, seja a poesia aqui em Lisboa ou em Portugal de um modo geral.” Este quinto número, por exemplo, reúne textos  dois dois e de André Alves, Duarte Harris, Marta Esteves e Tristan a. Guimet, com um prefácio de Manuel Gusmão ilustrações de Adriana Santos.

Para Vasco, que recorda que a revista surgiu de uma necessidade de abrir um espaço para um outro tipo de poesia em Portugal, que lhe parece ter caído a partir dos anos 90 “numa espécie de neo-naturalismo”. “Há muitas coisas que foram feitas nos últimos dois séculos em Portugal que foram um pouco contrárias a essa escola do naturalismo ou até alguma escola realista ou depois neorrealista. Não é só uma questão dos moldes de apresentação, de esse tipo de poesia ser apresentado em livro, em revista, num muro”, diz Vasco para depois colocar a questão num campo de futebol – ou de basquete. “Há muitas revistas que funcionam um bocado como uma equipa de All Star da NBA, a Apócrifa é uma espécie de Athletic de Bilbao. Não é uma revista de pessoas mediáticas ou conhecidas em que cada uma está para o seu lado a fazer coisas diferentes. Claro que existe uma individualidade própria, um processo singular, o que se queira chamar.”

A Beatriz interessa a dimensão de risco que se torna possível numa revista com estas características. “Muitas daquelas pessoas estão a começar a escrever, sabes que mesmo que obviamente os textos que são publicados sejam textos de alguma forma trabalhados é sempre algo que, se atentarmos no que pensamos ser o percurso daquela pessoa na poesia, é sempre o início.”

Apófrica – PLEC – Revista Literária

Lançamento às 21h30, com apresentação de João Barrento e leituras e sonoplastia de Zé Luís Costa, na Galeria Zé dos Bois

Mais info em www.facebook.com/apocrifarevista