Banif. Maria Luís chamada de novo à comissão de inquérito

Banif. Maria Luís chamada de novo à comissão de inquérito


Ex-ministra garantiu no parlamento que estava a replicar no Banif uma solução bem-sucedida já usada no Catalunya Banc. Documentos de Bruxelas a que o i teve acesso mostram diferenças substanciais entre os dois casos. Luz verde da Comissão seria quase impossível sem resolução.


A ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque vai ser chamada de novo à comissão de inquérito do Banif. A decisão deverá ser tomada amanhã numa reunião dos coordenadores da comissão, por requisição do PS, do Bloco e do PCP. Os deputados à esquerda sustentam que o primeiro depoimento da antiga governante contém incongruências face a testemunhos posteriores e a documentação enviada pela Comissão Europeia.

Nos documentos, a que o i teve acesso, há dois relatórios da Comissão Europeia sobre o processo do Catalunya Banc, uma instituição espanhola que enfrentou dificuldades financeiras mas que foi vendida em 2014, com aval de Bruxelas, depois de um plano de reestruturação aprovado em 2012.

Na primeira audição, Maria Luís explicou que a solução que estava a ser desenhada para o Banif, antes de sair do governo, era inspirada no plano concretizado naquele banco espanhol. Segundo a antiga ministra, as autoridades portuguesas estavam a trabalhar na venda do Banif até março de 2016 – foi até contratada a mesma consultora que tinha trabalhado com os catalães, a N+1. “Quando cessei funções, a 26 de novembro, nada me faria prever um desfecho com este custo para os contribuintes, nestes termos”, disse Maria Luís aos deputados.

Espanha já tinha decidido resolução Contudo, a documentação sobre o Catalunya Banc enviada aos deputados pela Comissão Europeia mostra diferenças evidentes face ao processo do Banif. Foram essas insuficiências no plano português que inviabilizaram de forma sistemática a aprovação da solução para o Banif – e que levaram à abertura de um processo de investigação aprofundada às ajudas públicas dadas ao banco madeirense, no verão de 2015.

Uma das principais diferenças tem a ver com as perdas imputadas aos acionistas e credores do banco espanhol, no que na gíria financeira de Bruxelas se denomina burden sharing – ou repartição de encargos. Para que a intervenção na instituição catalã fosse aprovada, logo em 2012, as autoridades espanholas comprometeram-se a pôr o banco em resolução – algo com que Portugal nunca se comprometeu.

Os ativos bons do Catalunya Banc seriam separados dos problemáticos e vendidos de forma isolada, e nesse processo foram definidas perdas pesadas para os obrigacionistas subordinados do banco espanhol. Os investidores privados que detinham esses títulos tiveram um corte no valor nominal dos seus ativos.

As estimativas indicavam que essa decisão iria ajudar a capitalização do banco até cinco mil milhões de euros, o que foi um passo determinante para que a operação fosse viabilizada por Bruxelas. “As medidas com que Espanha se compromete no plano de reestruturação garantem que os recursos próprios são, de facto, utilizados e que os acionistas e investidores privados que detêm instrumentos híbridos e de dívida subordinada contribuem tanto quanto possível para a reestruturação do banco”, refere Bruxelas numa avaliação de 2012 que seria repetida dois anos mais tarde, quando o plano de reestruturação foi redesenhado.

Perdas de privados insuficientes No Banif, a avaliação de Bruxelas é precisamente a contrária e determinou que a Direção-Geral da Concorrência avançasse para uma investigação aprofundada às ajudas públicas dadas ao banco: as perdas imputadas a acionistas e credores do Banif eram insuficientes e o esforço de recapitalização do Banif através de verbas públicas era considerado excessivo.

O plano do Banif apresentado pelo governo anterior indicava que o burden sharing tinha sido assegurado com a diluição da participação dos acionistas do banco, depois da recapitalização feita pelo Estado, e com uma operação de conversão de obrigações subordinadas em ações ordinárias, no valor de 272 milhões. Mas isso não era suficiente para a Comissão, que apontou: “O projeto de plano de reestruturação suscita preocupações na perspetiva da repartição dos encargos e das medidas destinadas a limitar distorções de concorrência.”

Uma das questões levantadas na insuficiente penalização dos acionistas teve a ver com o empréstimo que o Estado fez ao Banif através de títulos de dívida contingentes – os chamados CoCos. Esta dívida poderia converter-se em capital em caso de incumprimento e, quando o Banif não pagou uma tranche que estava prevista, o Estado não exerceu esse direito. “Tendo em conta que essas medidas não foram efetivadas, mesmo face ao incumprimento do calendário para o reembolso dos CoCos, é questionável se a diluição dos acionistas correspondeu em pleno à prevista no quadro da Decisão de Resgate e no plano de reestruturação e nas disposições da Decisão de Resgate, pelo que não é certo que, no caso do Banif, esteja assegurada uma repartição suficiente dos encargos”, refere o relatório de Bruxelas que sustenta a investigação aprofundada ao banco.

Viabilidade não estava assegurada De resto, a reestruturação do banco da Catalunha implica outra diferença face ao Banif: a Comissão entendia desde o início que o banco espanhol tinha viabilidade com o plano de reestruturação apresentado, o que não aconteceu no Banif. Bruxelas indicava que os pressupostos financeiros utilizados para calcular a rentabilidade do banco espanhol eram “conservadores”. E no Banif criticou as contas do plano de reestruturação, que apresentava uma rentabilidade “excecionalmente elevada”, sem pormenorizar suficientemente como iria atingir esses objetivos.

Na Catalunha, a redução da atividade do banco, que iria centrar–se apenas na região e desinvestir em todas as filiais internacionais, é considerada adequada. No Banif, a apreciação é outra. Bruxelas não entende que Portugal tenha proposto manter filiais internacionais sem presença de emigrantes, como as Baamas. E critica a falta de sustentação da rentabilidade prevista para as sucursais. “A Comissão tem dúvidas quanto ao facto de o atual projeto de plano de reestruturação fornecer uma base sólida para garantir a viabilidade do Banif no seu conjunto dentro do período de reestruturação e de estar em condições de reembolsar ou remunerar devidamente o auxílio estatal”, refere o relatório sobre o banco.