Grécia. A crise voltou de pernas para o ar

Grécia. A crise voltou de pernas para o ar


Enquanto Tsipras impõe austeridade, FMI exige perdão de dívida e Alemanha revela injustiças de resgates anteriores. Acordo a 24 de maio


Já é quase uma tradição europeia: a certa altura do ano começam a surgir dúvidas sobre a capacidade grega de concretizar as reformas acordadas com os credores e de cumprir os prazos de pagamento acordados. Com isso voltam as pressões externas e a eterna ameaça do pesadelo da saída da zona euro.

E perante a urgência de novos ajustes fiscais, Atenas é sempre a primeira a cumprir a tradição: as greves gerais sucedem-se, a Praça Sintagma enche-se e as ruas das principais cidades gregas entram em modo de campo de batalha, onde desta vez nem a própria sede do Syriza escapou. 

Os discursos políticos também são idênticos desde o início da crise, embora os protagonistas já tenham trocado de papéis. Alexis Tsipras, o primeiro-ministro esquerdista eleito com a promessa de acabar com a austeridade, anuncia que poupará 3% do PIB através do aumento de impostos, do corte nas pensões e do fim de benefícios fiscais – e consegue evitar dissidências na sua frágil coligação a garantir que esta reforma “radical” ajudará a tornar o sistema “sustentável”. Do outro lado, dirigentes do PASOK e da Nova Democracia – os mesmos que alternaram no poder durante 40 anos até 2012 – falam em “medidas que serão uma lápide para as perspetivas de crescimento” e criticam um líder de governo que “prometeu esperança e transformou-a em desespero”.

Mas desta vez há novidades. E bem surpreendentes. Três dias antes do Eurogrupo de ontem à tarde, a líder do Fundo Monetário Internacional (FMI) escreveu aos responsáveis das Finanças da zona euro. “É hora de clarificar a nossa posição”, avisava a chefe do FMI num texto onde defendia que “as medidas específicas, a reestruturação da dívida e o financiamento” à Grécia “devem agora ser discutidos simultaneamente”.

Sem perdão não há FMI Defendendo que a meta de obter um excedente orçamental primário de 3,5% do PIB – objetivo que levou às reformas aprovadas ontem em Atenas – é “não só muito difícil como possivelmente contraprodutiva”, Lagarde reforçou a defesa de um corte na dívida em forma de chantagem: para o FMI continuar a apoiar a Grécia, garante, “é essencial que o financiamento e a redução da dívida por parte dos parceiros europeus sejam baseados em metas orçamentais realistas” e não apenas na alteração de perfil da dívida, com mudanças de prazos de pagamento e de taxas de juros, que era a fórmula que a Europa se mostrava disposta a debater. 

Ontem, quando os mercados já mostravam euforia face à austeridade aprovada em Atenas, alguns ministros europeus chegavam à reunião do Eurogrupo ainda com essa ideia: “Cortes na dívida grega não estão em cima da mesa”, anunciava o italiano Pier Carlo Padoan; Michael Noonan, o responsável irlandês que se tem destacado numa acesa troca de palavras pública com o ex-homólogo grego Yanis Varoufakis, defendeu a fórmula de alargamento de prazos e redução de juros em vez do corte formal de dívida.

Corte a três tempos Mas outros nomes de peso cederam à pressão do FMI: “Vamos certamente debatê-lo”, confirmou o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, referindo–se ao perdão de dívida antes do início da reunião. No fim confirmou a “primeira ronda de negociações” de um processo que poderá ter decisão definitiva em 2018, no final do programa de resgate em vigor.

O holandês explicou que foram discutidos três tipos de perdão de dívida: a curto prazo, será negociada uma otimização da dívida para aliviar as tranches a pagar pelo país; a médio prazo, um grupo de trabalho avaliará a forma de reduzir os custos da dívida para a Grécia até ao final do programa de ajustamento, em 2018; para o futuro, dependendo da forma como Atenas respeitar o acordo, será analisada a hipótese de um corte substancial da dívida se o atual programa não resolver o problema estrutural.

A aceitação desta fórmula pelo FMI “depende do acordo alcançado a dia 24”, assumiu Dijsselbloem, confirmando o otimismo em relação a ver a mais recente crise grega – está em causa a entrega ao país de uma tranche do empréstimo no valor de cinco mil milhões de euros – desbloqueada até ao final do mês. Todos assumem como prioridade evitar uma repetição de 2015, em que os meses de negociação incluíram uma rejeição nas urnas pelo povo grego e a iminência de se ver o país declarar bancarrota e sair da zona euro.

E se o alemão Wolfgang Schäuble continua a ser um dos principais opositores ao perdão de dívida, do maior credor da Grécia chegam dados que comprometem a fórmula que Berlim impôs à Grécia desde o início da crise. 

Menos de 5% para Atenas O “Handelsblatt”, jornal económico alemão, citava um estudo da berlinense Escola Superior de Administração e Tecnologia, que “analisou todos os empréstimos e examinou onde o dinheiro dos dois primeiros programas de resgate, no valor de 215,9 mil milhões de euros, realmente acabou”. E apesar de a “acusação já ser conhecida há muito tempo”, este estudo mostra que “apenas 9,7 mil milhões, ou menos de 5% do total, acabaram no orçamento grego, onde poderiam beneficiar diretamente os cidadãos”.

“O resto foi usado para pagar dívidas antigas e juros”, explica um estudo que acusa as instituições que desenharam os programas de terem tido como prioridade “não salvar o povo grego, mas os bancos e os credores privados”.