Os milagres são talvez um dos assuntos menos consensuais da nossa sociedade. Os crentes garantem que existem, os não crentes acham que é quase a mesma coisa que acreditar em bruxas. E se o leitor permite, quer acredite ou não em milagres, este assunto vem ao encontro daquilo que se tem passado esta época em Alvalade com a contratação de Jorge Jesus (JJ) para treinador do Sporting. Mesmo depois de ter perdido a liderança do campeonato em casa contra o Benfica (derrota por 1-0 no dia 5 de março deste ano), os leões estão a carimbar recordes atrás de recordes. O mais recente foi frente ao Porto no Estádio do Dragão com uma vitória por 3-1 – há quarenta anos que a equipa de Alvalade não vencia os dois jogos, na mesma época, o emblema liderado por Pinto da Costa –, um resultado que permite ainda sonhar com uma conquista de um título que foge há quase 15 anos.
Mas este é só mais um. É que pela primeira vez na história do clube, o Sporting venceu os rivais Benfica e FC Porto nos seus estádios – depois dos 3-0 na luz a 25 de outubro do ano passado, os verde e brancos carimbaram mais um triunfo a Norte, perfazendo um total de sete vitórias seguidas (igualou o melhor registo desta temporada) e conquistando uma vitória que não acontecia no dragão há nove anos. E o que salta mais à vista nestes números é o facto do Sporting ter vencido cinco dos seis clássicos esta época.
Quer mais um para registar na memória? Ora o clube verde e branco esta época já leva 25 vitórias em 32 jogos disputados no campeonato português (chegando aos 80 pontos), um número de triunfos que nunca tinha alcançado – em 1979/80 venceu 24 partidas e foi campeão, dez anos depois voltaria a igualar o registo ficando apenas em terceiro lugar.
E se por um lado se destacam as “notas artísticas” dos pés de João Mário, a segurança de Rui Patrício e o instinto matador de Islam Slimani (que fez quatro golos nos dois jogos diante dos azuis e brancos, mais um feito que datava da época 1946/47 em que Jesus Correia fez o mesmo), quem é que pode estar por detrás deste feito quase “milagreiro”? Pois é, Jorge Jesus, claro está. “Somamos hoje 80 pontos, já fui algumas vezes campeão [no Benfica] e sem esta marca. A nossa vitória de hoje colocou novamente o desfecho do campeonato em dúvida, porque depois do jogo que fizemos creio que mostrámos que somos a melhor equipa do campeonato”, disse o técnico leonino no final do encontro do passado sábado que considerou ainda ser “anormal” uma equipa somar tantos ponto se não levar o caneco para casa. Um discurso que serve de exemplo à disputa intensa dos dois clubes lisboetas, dentro e fora das quatro linhas.
Aqui está a parte não consensual da conversa. JJ acredita que a sua equipa é a que joga melhor futebol, a que merece estar à frente do campeonato, só que a tabela classificativa mostra um Benfica em primeiro e que teima em não deixar o lugar quando faltam apenas duas jornadas para o final da temporada. Ele que se tem pegando várias vezes com Rui Vitória, que foi capa de toda a imprensa desportiva depois da sua transferência para o outro lado da segunda circular no verão passado, e a quem muitos consideram ser dos melhores técnicos (e dos mais egocêntricos) portugueses, é o responsável de uma época histórica que pode muito bem nem dar o título ao Sporting.
Mas é como os milagres: ou se acredita mesmo neles até ao fim, ou mais vale agarrar-se a outra coisa.