Barcelona. O tiki-taka tem alergia à Primavera

Barcelona. O tiki-taka tem alergia à Primavera


Ninguém imaginava que o Real pudesse estar a um ponto da liderança e o Atlético em igualdade pontual com o Barça. Mas também nunca ninguém levou a sério as alergias e elas existem, não é?


A sensação de desconforto é crescente. O corpo começa a ficar cansado, o nariz começa a pingar e os músculos desligam-se. O ar falta, a pele fica irritada. E por fim, as lágrimas, tantas que não nos deixam ver. Estes são alguns dos sintomas de quem sofre de alergias primaveris e é também uma analogia – feita pelo diário espanhol Marca – sobre o momento da equipa do Barcelona: a terceira derrota consecutiva, desta vez diante do Valência (2-1), deixa o Atlético de Madrid em igualdade pontual e o Real Madrid a apenas um ponto.

A Liga dos Campeões (LC) ficou para trás, e agora resta a perseguição  à revalidação de um título que parece mais complicado do que curar uma alergia. Quer dizer, mais ou menos. É que as alergias podem ser para sempre, e o emblema catalão não tem assim tanto tempo  – faltam cinco jogos para o final da La Liga.

Tudo começou em março A Primavera começa a 21 de março, habitualmente. A história da derrocada do Barcelona começou um dia antes, com um empate (2-2) em casa do Villarreal após nove triunfos consecutivos no campeonato e na LC. Sempre em antecipação, claro, como o tiki-taka que se joga pelos pés de nomes como Messi, Luis Suarez ou Neymar. Quando o adversário pensa que vai chegar a bola, já ela está na grande área pronta a entrar nas redes contrárias. Foi o que aconteceu aqui, mas de forma negativa. Na altura ninguém sentiu o desaire a chegar: o Atlético estava a nove pontos e o Real a 10 – já se escrevia sobre o “adeus” merengue ao título depois da entrada de Zinedine Zidane. É a mesma sensação quando estamos a ficar doentes. “Não deve ser nada”, pensa o leitor. Só que depois chega a alergia, e com muita força.

Mas foi com a visita de Ronaldo e companhia a Camp Nou que os sintomas se confirmaram. No dia 2 de abril, o craque português vingaria o resultado desastroso da primeira volta (4-0 no Bernabéu) aos 85’, reduzindo a distância para sete pontos, e permitindo também a aproximação silenciosa do Atlético na segunda posição. Quatro dias depois, Piqué, um dos jogadores que mais faz por alfinetar o rival de Madrid, e que já tinha garantido que a sua equipa ganharia o campeonato e a LC, deixou um tweet enigmático, após a derrota do Real frente ao Wolfsburgo: “A verdade dói. Grande filme! Will Smith é um dos melhores actores de todos os tempos”, escreveu o espanhol. Referia-se ao filme “Concussão – A Força da Verdade”, mas todos entenderam como mais uma boca entre os rivais de Espanha.

Primavera foi desastrosa Pois é, só que passaram-se mais duas jornadas,  duas derrotas e a alergia confirmou-se. Uma frente ao Real Sociedade (1-0) e outra, novamente em casa, diante do Valência (2-1) – três derrotas consecutivas que não aconteciam desde 2003, somando apenas um ponto em doze possíveis. Nem o 500.º golo da carreira de Messi salvou a noite.

A última com um emblema que já despachou Nuno Espírito Santo, Gary Neville e tem agora Pako Ayestáran (ex-preparador físico do Benfica de Quique em 2008/09) ao leme – e há mais um dado que faz comichão,  nas meias finais da Taça do Rei, disputadas no início deste ano, o Barça cilindrou o Valência por 7-0. A verdade é que esta é a equipa que mais vezes ganhou a um líder em toda a história do campeonato espanhol – 13.

E quem é que tem um registo muito parecido ao de Luis Enrique? Em 2003/04 Carlos Queiroz desperdiçou igualmente uma vantagem de oito pontos quando acabou por perder o título para o Valência (cá está ele outra vez) de Rafa Benítez. O Real ficaria em quarto lugar perdendo sete dos últimos dez jogos, como recordou ontem o jornal espanhol AS. Este ano, à 28.º jornada, estes eram os pontos que o Barça tinha em relação ao Atlético. V-o-a-r-a-m entretanto com a chegada da estação mais bonita do ano.

Cansaço? Claro, jogos pelas seleções internacionais fizeram com que os jogadores do Barcelona demonstrassem cansaço nas pernas – basta olhar para a resposta de Luis Enrique a um jornalista que o questionou sobre a preparação física [ver texto ao lado] -, e algumas lágrimas e irritação no final, explicam parte desta crise.

Mas só isso não chega para um dos maiores colossos europeus. Porque tal como acontece com as alergias, é preciso tratá-las e não ficar à espera que passem. Não chega só convencer-se que não existem, porque os sintomas vão continuar a surgir. A Piqué ou não, isso só se verá no final. Veremos a quem dói mais a verdade deste campeonato.

jose.capucho@ionline.pt