O Impromptu de Versalhes. O desagrado pitoresco

O Impromptu de Versalhes. O desagrado pitoresco


A estreia de Miguel Loureiro no Teatro Nacional D. Maria II coincide com a primeira peça que Molière apresentou na corte, a pedido do rei. Nenhum deles está a salvo. Nem o espetador que este espetáculo fica até dia 30 de abril na Sala Garrett  


Espreitar é feio. Ainda assim, não há quem não o faça, não há quem passe por uma mansão sem saltar à altura do portão para averiguar se há piscina. Pelo que, entrar na Sala Garrett, ver um buraco enorme no palco e não ir à procura do cheiro a cloro ou da prancha para o salto, é quase proibitivo. Há quem se antecipe e nos avise: “Não é uma piscina”. Viagem à beira-palco que nem chegámos a fazer. O fosso é antes o funcionamento dos mecanismos de palco do Teatro Nacional, elevador acima, elevador abaixo ou bolacha – é melhor do que dizer plataforma – que faz o centro do palco girar a seu belo prazer. Sim, que se é de Molière que estamos a tratar é obrigatório que urjam críticos nos camarotes da frente, reflexo de um classicismo pré-contemporâneo, daquele que roga pragas ao videomapping ou à instalação como arma para fazer teatro. Daí ao repúdio ainda vai uma distância, até porque estamos perante um espetáculo profundamente cómico, onde comédia se diz cómédia, com acento no o. “Este texto é o Molière a pôr-se em cena a ele próprio, mais os atores da sua companhia, onde se incluem a mulher, a sogra, e amigos, e que tentam fazer uma peça que dê resposta às várias críticas que os anteriores sucessos de Molière tiveram. De tal forma que o Rei pediu a Molière que desse uma resposta, em palco, em divertimento para Versalhes ver”, explica Miguel Loureiro, ator e encenador. O mesmo que se estreia hoje no Teatro Nacional D. Maria II, tal como na altura, Molière se estreou na corte. “O Impromptu de Versalhes” fica na Sala Garrett até 30 de abril. Temos até esse dia para chamar Molière a Miguel Loureiro, ou o inverso.

Como se não bastasse ter que contrariar-se – Molière não queria entrar no bate-boca com os críticos mas a pedido do Rei e incitado por amigos lá cedeu – o Rei só deu oito dias ao dramaturgo para erguer o espetáculo de resposta. Tiago Rodrigues, o Rei cá do sítio (ver caixa), parece ter dado mais a Miguel Loureiro, ou a Molière, nunca há certezas: “Não me deu oito dias, mas ultimamente os processos de produção do teatro têm sido encurtados, temos que ser mais intensos porque os atores têm que ter outros trabalhos e as agendas sobrepõem-se. Já fiz coisas quase em oito dias, pequenas peças ou performances. Agora esta, com esta estrutura, em oito dias não seria possível”, confessa.

E ainda bem, pelo menos a julgar pelo queixume constante do elenco, algures entre a falta de atribuição de papéis que Molière teima em não definir e o medo de nunca vir a saber o texto a tempo da estreia. Dores comuns, mas que Miguel Loureiro até considera curtas no enredo. “Até costumam ser mais opinativos do que o texto de Molière sugere. Sou ator e também sou encenador, 60% da encenação é gasto a gerir o ambiente, e depois sobra pouco tempo para o trabalho efetivo, encenar é uma espécie de gestão de recursos humanos, às vezes o encenador assume um papel de paizinho que a mim não me satisfaz muito”.

É também a sede de não abdicar da condição de ator que faz com que Miguel Loureiro, enquanto criador, se sirva da linguagem para dar ao ator um holofote, uma forma praticamente espontânea de destaque. “A questão da linguagem tem dois aspetos: por um lado gosto do estabelecimento do pitoresco pela linguagem e não tanto pela situação, o ator precisa de ter uma codificação. Aqui, em Molière, é também uma das estratégias de comicidade, mas não deixam de se forma armas de codificação e de posicionamento. Por exemplo não gosto de ouvir dizer “ministro” como dizem muitos jornalistas, já está em manual desde o final do século XIX que podemos dizer “menistro” ou “pescina” em palavras esdrúxulas com mais de três is”, clarifica. Ou seja, hoje, que se assinalam os 170 anos do Teatro Nacional D. Maria II, sejamos todos félizes. Se assim for possível.

“O Impromptu de Versalhes”, de Molière, com encenação de Miguel Loureiro, fica na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II de hoje a 30 de abril.

Quarta às 19; Quinta a sábado às 21h; Domingo às 16h.

Preço: 5€ aos 17€.

miguel.branco@ionline.pt