– Uma boa semana para si – desejei ao motorista do táxi antes de fechar a porta.
– Também para si! – exclamou. – E aproveite bem enquanto ainda temos um Presidente e um governo de brancos, que isto já não dura muito. Quero dizer, o outro já é monhé e tem lá uma preta…
Fiquei perplexo, como os leitores devem estar a calcular, e demorei-me mais um bocadinho, apesar do frio.
– Como é que disse? – perguntei, ainda a pensar que se tratava de alguma linguagem cifrada
– O que ouviu – respondeu o motorista. – Aproveite enquanto somos governados por brancos. Já viu o que se passa na Europa com esses sírios? Já viu o que dizem os jornais e os nossos governantes? Já andou por certos bairros, aí na Amadora ou em Odivelas? E já pensou que cada branca tem um filho e cada preta sete ou oito? Não dou mais de 20 anos para termos o nosso país com oito milhões de pretos e dois de brancos. Eu e o senhor já não estaremos cá para viver esses tempos, mas os seus filhos e netos vão amargá-las. Por isso é que eu estava a desejar-lhe uma boa semana, enquanto pode ser bem branquinha…
Atirei com a porta e por pouco não vomitei.
Esta história é verdadeira e passou-se em Lisboa, enquanto a televisão fala de refugiados e relata crimes de ódio racista um pouco por toda a Europa.
Devo dizer, à partida, que senti algumas dificuldades em abordar este tema porque, por mais voltas que dê à cabeça, não consigo perceber porque é que algumas pessoas são racistas. Melhor dizendo, sei as razões sociais que estão por detrás das atitudes xenófobas ou discriminatórias, mas não consigo é, no meu íntimo, perceber porque é que essas razões legitimam atitudes e declarações racistas.
Ser racista é, segundo a definição geralmente aceite, afirmar duas coisas: primeiro, que existem indivíduos à partida melhores do que outros, por razões antropológicas ou biológicas; segundo, que a convivência, coexistência e mistura de indivíduos diferentes é de evitar. Diga-se de passagem que ambas estas alíneas carecem de demonstração científica, pelo que só exprimem meras convicções pessoais. Até aí, menos mal seria, ou seja, se não passassem de convicções, pois cada qual tem o direito de pensar o que quiser, designadamente que os negros, os brancos, os amarelos ou os de qualquer cor são piores ou melhores do que nós. O que está errado, profundamente errado, é que esses sentimentos e convicções assumam exteriorização – para além dos debates e da discussão filosófica ou académica, que até pode ser interessante se intelectualmente honesta – e que se traduzam por comportamentos condicentes ou, pior ainda, influenciem decisões e políticas.
Fala-se, por exemplo, muito de raças: a raça negra, a raça branca, etc. Contudo, a identificação do genoma veio mostrar que não há diferenças genéticas entre as pessoas que possam dividi-las numa coisa a que se chame “raça”. O que diferencia, por exemplo, um “negro” de um “branco”? A cor da pele? Não haverá portugueses que se consideram “brancos” e cuja pele é bem mais escura do que a de alguns cabo-verdianos ou angolanos, por exemplo, classificados pelas mesmas pessoas como de “raça negra”? Se não é a cor da pele – que é apenas uma expressão de defesa fisiológica desenvolvida pelos povos que habitam as regiões quentes e ensolaradas –, então o que é? A estrutura óssea, a deposição de gordura, o tamanho dos eritrócitos, a maior prevalência de amigdalites, o jeito para jogar matraquilhos?
O ser humano, sendo complexo, demora muito tempo a mudar geneticamente, mas por isso mesmo desenvolveu maior capacidade de se adaptar. Por outro lado, se a cor da pele diferencia as raças, então porque não diferenciar outras raças de acordo com outras tantas diferenças que, se calhar, não se veem a olho nu mas são iguais do ponto de vista da matriz genética? A raça dos que têm intolerância ao leite de vaca, a raça dos que têm olhos azuis, a raça dos que têm menos de 1 metro e 60? A raça dos que são tímidos… Já imaginaram o ridículo? Só falta a raça dos que são suficientemente estúpidos para acreditarem que existem raças…
Com os fenómenos migratórios, a interpenetração genética é um facto, sobretudo em países que foram ou são “corredores” e “entrepostos”, como é o caso de Portugal. Aliás, a diversidade cultural, religiosa, etológica é essencial para o aperfeiçoamento de cada indivíduo e um antídoto para a “estupidificação” – a miscigenação e o “caldo cultural” são catapultas para sociedades melhores.
Não há raças do ponto de vista científico e, por isso mesmo, a Constituição da República proíbe a classificação dos indivíduos segundo estas. O motorista de táxi pode dormir descansado. Mesmo que “cá esteja” daqui a 20 anos, e venha a ter, nessa altura ou antes mesmo, um Presidente da República de pele escura, não é por isso que a sua vida e a sua qualidade de vida serão piores ou diferentes. Será pior, sim, se continuar a consumir-se num azedume racista. Boa semana para ele e para todos… com todas as gamas da paleta de cores, formas e feitios que tornam o ser humano um “produto” de tão elevado interesse.