Com mais de uma dezena de adaptações cinematográficas, um role-playing game, uma das músicas mais emblemáticas da pop e, só em Portugal, uma quantidade de edições e reedições, os ângulos para explorar são já tão escassos quanto as possibilidades de salvarmos a reputação do cruel Heathcliff. Por isso, mais do que escrever sobre O Monte dos Vendavais, a única obra de Emily Brönte cuja estima os tempos se encarregaram de recuperar, até mesmo sobrepondo-a à sua até então bem mais famosa irmã, talvez este seja o momento ideal para falarmos um pouco sobre política editorial.
Nas duas últimas décadas as maiores editoras portuguesas na área da ficção têm editado para dois tipos diferentes: o leitor e o compositor de estantes. Não é o momento – nem o espaço – para descortinar aqui um porquê, mas quando olhamos para as dimensões e estruturas dos livros publicados por casas como a Quetzal, a D. Quixote ou a Presença rapidamente percebemos que muitas das suas edições são compostas mais a pensar em quem vai comprar o livro para encher uma estante do que em quem o vai ler. Vejamos, por exemplo, a edição portuguesa de A Piada Infinita, de David Foster Wallace, ou de Arco-íris da Gravidade de Thomas Pynchon, dois casos em que a versão portuguesa mede, pesa e custa bem mais que as edições anglófonas congéneres.
É, por isso, de saudar que em relativamente pouco tempo algumas das editoras com melhor e maior responsabilidade no mercado – a Tinta-da-China e a Relógio d’Água – estejam a recuperar o livro-de-bolso, o formato rei entre aqueles que, veja-se lá, querem apenas ler um livro sem as exigências físicas e financeiras dos enormes formatos de capa dura, que tantas vezes tornam os livros ilegíveis e, quase sempre, incomportáveis quando há orçamentos para se gerir. Tirando as fragilíssimas e, tantas vezes, absurdas edições Europa-América e a colecção BIS do Grupo Leya, o formato de livro-de-bolso não colhe muitos adeptos no meio editorial português, comparando, por exemplo, com o mercado editorial espanhol onde grande parte das maiores editoras dispõem deste tipo de colecções e não as limitam apenas aos grandes clássicos nacionais e estrangeiros.
O Monte dos Vendavais é o livro inaugural desta nova colecção da Relógio d’Água, “Clássicos para leitores de hoje”, que conta já também com O Grande Gatsby e a Abadia de Northanger. Mantendo incondicionalmente este formato e este nível de preços, nunca superiores a 10€, a Relógio d’Água poderá estar a dar um dos primeiros passos no sentido de uma nova era na edição em Portugal, capaz de suplantar o jogo viciado dos grandes grupos editoriais. É importante, ainda assim, desornar parte do elogio. A escolha editorial da Relógio d’Água, menos benigna, joga pelo seguro, editando exactamente a tipologia de obra que se esperava, os grandes clássicos da literatura. Mas porque não utilizá-lo para editar contemporâneos e, principalmente, os novos autores portugueses que edita? Porque não utilizá-lo na poesia que, em termos de paginação e arranjo gráfico, parece ser o parente pobre da editora? Tanto a poesia como a nova ficção portuguesa são géneros em que as editoras portuguesas têm tido uma grande dificuldade em fidelizar mais do que as famosas duas ou três centenas de leitores – e mesmo isso na maior parte das vezes já é um feito. Editar em formatos padronizados, sóbrios e mais acessíveis até pode não ser a cura milagrosa de que a edição de poesia em Portugal tanto precisa, mas é de certeza um passo mais significativo nesse sentido do que os cuidados paliativos em que as pequenas editoras, apesar de todo o seu mérito, a têm mantido.