No Reino Unido garante-se que “os dias de esconder dinheiro acabaram”. François Hollande promete que “todas as informações” resultarão em “inquéritos dos serviços fiscais”. A Agência Tributária de Espanha anuncia investigações a Messi, Pilar de Borbón, Pedro Almodóvar e a todos os espanhóis apanhados na teia, algo que a Austrália formalizou durante o dia face aos 800 cidadãos que constam nos “Panama Papers”. Na Islândia, há um governo à beira de cair face às fortunas escondidas pelo chefe de governo e vários ministros.
Na Rússia, justificam-se as divulgações com uma “putinofobia” mundial, mas pouco mais de 24 horas depois da divulgação da maior fuga de documentos secretos da história é possível acreditar que desta vez haverá consequências.
Ao todo são 11,5 milhões de documentos roubados à Mossack Fonseca, uma firma de advogados com sede no Panamá, dedicada – sabe-se agora – a esconder fortunas e fraudes fiscais de membros da elite mundial, seja ela política, financeira, desportiva, cultural ou até criminosa (todos parecem partilhar a prática de crimes, mas os narcotraficantes com acesso a estes serviços merecem referência direta).
A fuga de informação deu-se há mais de um ano, quando uma fonte anónima contactou o “Süddeutsche Zeitung”. Ao contrário de Edward Snowden e outros delatores que ganharam fama nos últimos anos, esta fonte não aceitou dar a cara nem encontrar-se com jornalistas por temer pela vida, contava ontem o diário germânico – a única coisa que exigia era “tornar estes crimes públicos”.
Perante a quantidade de informação recebida – os 2,6 terabytes (unidade de armazenamento digital) representam, por exemplo, uma dimensão 1529 vezes superior às divulgações da wikileaks em 2010 – os alemães recorreram ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ na sigla original), que juntou 107 jornais de 78 países. A partir daí, mais de 370 jornalistas trabalharam meses numa investigação cujos resultados começaram a ser divulgados na tarde de domingo.
“Vamos examinar os dados e agir de forma adequada. Os dias de esconder dinheiro acabaram”, reagiu ontem Jennie Graingerm, responsável máxima pela coleta fiscal britânica. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro David Cameron escudava-se no foro pessoal para evitar as perguntas em torno do seu pai – um dos 12 milionários britânicos identificados nos papéis, como administrador de um fundo de investimentos que terá evitado o sistema fiscal britânico através da contratação fantasma de cidadãos das Bahamas.
Entre o ativo e a reforma, 12 líderes mundiais foram apanhados na teia, incluindo o russo Vladimir Putin – que é ligado a uma fortuna de dois mil milhões de dólares -, o homólogo ucraniano Petro Poroshenko ou o homem que sucedeu a Christina Kirchner na presidência argentina, Mauricio Macri.
Mas a elite política está longe de estar sozinha: Lionel Messi é o símbolo maior de uma lista de jogadores de futebol que pode chegar às duas dezenas de nomes (pág. 6); Jackie Chan e Pedro Almodóvar representam, para já, as estrelas cinéfilas – pelo menos as ocidentais, pois Bollywood aparece com a sua figura mais mediática, Amitabh Bachchan; Rafael Caro Quintero, fundador e líder do cartel narcotraficante de Guadalajara, é um dos 47 mexicanos identificados como beneficiários da Mossack Fonseca.
Além de nomes, há informação relevante sobre casos de corrupção “o corrente caso político de lavagem de dinheiro no Brasil ou os alegados subornos que agitaram a FIFA”, segundo a página oficial da ICIJ. Desde 1977, são 39 anos de informação acumulada que revela “como uma indústria global de escritórios de advogados e grandes bancos vende o sigilo financeiro a caloteiros e traficantes de droga, assim como a bilionários, celebridades e estrelas do desporto”. E esta é apenas a primeira vaga de revelações de documentos daquela que é apenas a quarta maior empresa mundial para serviços de offshore.