Estamos em plena Idade Média, num mosteiro onde os monges desenvolvem um árduo trabalho: a cópia. São amanuenses ou monges copistas.
Estes monges copistas, entrincheirados por detrás das suas mesas ou nos seus scriptorium, iam copiando livros, de modo a multiplicar o conhecimento e a cultura, através de manuscritos. Muitas vezes, havia um monge que iam proferindo o texto em alta voz e, todos os monges, iam escrevendo o texto simultaneamente, dado que não havia fotocopiadoras, máquina fotográfica nem sequer a imprensa.
Volvidos mais de quinze séculos, sento-me ao fundo da sala de uma qualquer escola, em Portugal, e observo. Analiso. Verifico. Tiro notas. Escuto. Alunos sentados, olhando as costas do aluno sentado à sua frente… Várias filas. Muitos deles, estão por ordem numérica. Ao fundo, há um(a) professor(a) de pé, debitando uma quantidade infinita de palavras e procurando, constantemente, manter em silêncio a agitação perturbadora dos alunos. Por detrás desse docente, há um quadro interativo conectado a um computador que projeta um documento em powerpoint, pejado de informação: “Podem copiar” — diz a professora.
Muito perto de mim, um aluno retira do bolso, à socapa, por debaixo da sua mesa, um smartphone. Acede à Internet e procura no motor de busca Google o conceito: “Anamnese”. Em segundos, a Wikipedia devolve a informação solicitada, digitada com um só dedo, sem olhar para o ecrã: é uma entrevista realizada pelo profissional de saúde ao seu doente, que tem a intenção de ser um ponto inicial no diagnóstico de uma doença ou patologia.
Quase no final dos 90 minutos de aula, os alunos cabisbaixos apressam-se a copiar a definição daquele conceito que já aquele aluno guarda na algibeira…
Saio do edifício Escola e observo-o por detrás das muralhas: intacta, imóvel, secreta, resguardada e quase intransponível. Dentro dela, diariamente vivem inúmeros funcionários que vão perpetuando o conhecimento, ditando-o, vociferando, examinando, formatando cabecinhas. Algumas ferramentas mudaram. O giz deu lugar à caneta digital (deu mesmo?). Mas as práticas, as metodologias, as estratégias, essas, estão inalteradas. Os espaços de interação estão congelados no tempo.
Esta anamnese tem de ser urgentemente realizada. É preciso um diagnóstico sério e uma rápida intervenção de fundo. Uma cirurgia é necessária para ir eliminando esta doença de que padece a Escola. Século após século, década após década, ano após ano, vemos que a doença se mantém e a operação não se faz. Os placebos não produzem efeito.
É fundamental criar. Inventar. Promover contextos de debate, de colaboração e cooperação. É urgente alterar formatos e normas e padrões. Inovar e permitir que os alunos expandam as suas energias, discutindo ativamente assuntos, realizando trabalhos de intervenção na comunidade… Desburocratizar e focar na essência.
Queremos a escola fora das muralhas ou melhor: sem muralhas…
Professor | Especialista em Tecnologias Educativas
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