Acreditas mesmo que vieste ao mundo para te lixares?


Não nasceste marcado, não és o escolhido, não tens um sinal na testa nem te rogaram uma praga. Não foste parido só para sofrer e larga essa cruz que carregas – faz-te mal às costas


Uau. És mesmo importante. Estou até um bocadinho nervosa por escrever para ti. És mesmo, mesmo importante. Nem sei bem como te deverei tratar. Excelentíssimo? Estou a abusar ao tratar-te por tu? Estou. Vou tratar-te por senhor. Meu senhor. Minha senhora. Não sei se és homem ou mulher. Não interessa. Desculpa, vou mesmo tratar-te por tu, assim habituas-te a esta coisa da normalidade. Pode ser? Mas é um “tu” educado – mantenho o “caríssimo”.

Caríssimo: Venho por este meio comunicar-te que não és assim tão importante. Quer dizer, és, és sim, mas não àquele ponto em que estás a pensar. O mundo é um bocadinho grande. Coisa para… é grande. Muito grande. É incalculável. E tu habitas nele. Sim, eu sei que também és marcante, fundamental, enorme, mas não és ao ponto de seres maior do que o mundo, ou não caberias aqui. Ficarias com o rabo de fora e acho que isso não dava jeito nenhum. Só mesmo a Kim Kardashian é que se habilita a tal coisa. Não quero destruir-te a autoestima, nada disso. Quero apenas dizer-te que não tens essa importância tal, essa de te tornares o alvo predileto – ou seja, o mundo não se uniu para te lixar.

Não nasceste marcado, não és o escolhido, não tens um sinal na testa nem te rogaram uma praga. Não foste parido só para sofrer e larga essa cruz que carregas – faz–te mal às costas. Não chove só porque é a tua folga nem há trânsito só porque tu pegaste no carro. As gajas não são todas umas mentirosas nem todos os gajos te querem usar. Existem pessoas boas e tenho a certeza de que conheces alguma. Não és vítima de nenhuma conspiração porque a única pessoa que conspira contra ti és tu. Sim. Estás sozinho no clube “anti-a-minha-pessoa” e isso é bem triste. Fundaste um clube e és o único participante. Porque o mundo não está mesmo interessado em lixar-te. As pessoas que te rodeiam não estão todas contra ti nem o azar é só teu. Acredita. O azar é um bocadinho de todos (deverias ver o azar que tive ao tirar a carta de condução. Fartei-me de chumbar e aquilo sim, foi claramente azar/praga/macumba. Nunca foi falta de jeito. Nunca. Foi mesmo azar), mas a sorte, essa também é tua. Tu é que nunca estás atento e quando ela passa por ti e te diz “bom dia”, viras-lhe a cara e viras-te para o azar que já conheces tão bem.

Caríssimo, sei que te estou a lixar os planos ao dizer-te isto, porque se não és a vítima, és o quê? Que raio de papel irás encarnar agora? Acabo de te puxar o tapete, não é?

Se deixares de ser a vítima, perdes o motivo para as tuas trombas matinais e azedume habitual. Perdes a razão para maldizeres a tua vida. Desculpa lá. Mas esse mesmo mundo, que achas que se uniu inteirinho e em concílio para te tramar, também é meu, por isso, senti-me na obrigação de te chamar à atenção. Se somos colegas de casa, temos o dever de olhar uns pelos outros e de dividirmos as contas. E isso, eu acho que já fazemos. Metade de azar para ti mais metade do azar para mim. Não pagas a fatura sozinho. Não és o condenado nem o infeliz que paga sempre as favas. Para de comer favas e vais ver que já não tens de as pagar. O que te quero dizer, meu caro, é que tens mesmo de parar de enviar essa carga negativa ao mundo por achares que ele te odeia. Ele não te odeia. A lua ilumina-te todas as noites, o sol aparece sempre que te faz mais falta, o mar continua magnífico mesmo que lhe mijem para cima. Porra, o mundo é maravilhoso.

Não me leves a mal. Juro que estou a dar-te nas orelhas com amor e carinho, mas também com assertividade e sem qualquer sentimento de pena. Não achas que já tens isso e em demasia? Não achas que já existem demasiadas pessoas na tua vida que te tratam como vítima e te passam a mão pelas costas, consolando-te à pressa? Não achas que já existe gente a mais que ouve as tuas lamúrias e que são essas mesmas pessoas que inspiram o ditado “coitado de quem as ouve, porque quem as diz fica aliviado”? Não achas?

Não quero ser mais uma pessoa que te diz, “tens razão, tudo de mal te acontece”, concordando com um complô que tu encomendaste. Não posso compactuar com isso. Não acredito que este mundo que tantas bênçãos nos oferece seja o mesmo mesquinho e cruel que se une diariamente para te lixar a vida. Não posso deixar de achar que, aqui, o matreiro és tu. És tu que te unes para dizeres mal do nosso lugar, és tu que o culpas, és tu que o acusas. Nunca o ouvi difamar-te. Nunca o vento sussurrou um boato sobre ti, nunca a chuva caiu ácida nos teus pés, nunca o chocolate se derreteu, azedo, na tua boca.

Caraças, deixa de reclamar e de dizer que este mundo não presta, que as pessoas não prestam, que a tua vida não presta. O que não presta mesmo é esse discurso chato de quem está tão mal habituado e que nunca sentiu a vida fugir-lhe por entre os dedos, porque, se sentisse, não reclamava tanto e amava mais. Mostra lá um sorriso genuíno, dá um abraço generoso, canta qualquer coisa e ri a plenos pulmões. E é assim que fazes as pazes com o mundo – e se as fizeres, serás recompensado com gratidão. E esse é mesmo o melhor presente que podes receber.

#deixadeserchato

Blogger

Escreve à quinta-feira


Acreditas mesmo que vieste ao mundo para te lixares?


Não nasceste marcado, não és o escolhido, não tens um sinal na testa nem te rogaram uma praga. Não foste parido só para sofrer e larga essa cruz que carregas - faz-te mal às costas


Uau. És mesmo importante. Estou até um bocadinho nervosa por escrever para ti. És mesmo, mesmo importante. Nem sei bem como te deverei tratar. Excelentíssimo? Estou a abusar ao tratar-te por tu? Estou. Vou tratar-te por senhor. Meu senhor. Minha senhora. Não sei se és homem ou mulher. Não interessa. Desculpa, vou mesmo tratar-te por tu, assim habituas-te a esta coisa da normalidade. Pode ser? Mas é um “tu” educado – mantenho o “caríssimo”.

Caríssimo: Venho por este meio comunicar-te que não és assim tão importante. Quer dizer, és, és sim, mas não àquele ponto em que estás a pensar. O mundo é um bocadinho grande. Coisa para… é grande. Muito grande. É incalculável. E tu habitas nele. Sim, eu sei que também és marcante, fundamental, enorme, mas não és ao ponto de seres maior do que o mundo, ou não caberias aqui. Ficarias com o rabo de fora e acho que isso não dava jeito nenhum. Só mesmo a Kim Kardashian é que se habilita a tal coisa. Não quero destruir-te a autoestima, nada disso. Quero apenas dizer-te que não tens essa importância tal, essa de te tornares o alvo predileto – ou seja, o mundo não se uniu para te lixar.

Não nasceste marcado, não és o escolhido, não tens um sinal na testa nem te rogaram uma praga. Não foste parido só para sofrer e larga essa cruz que carregas – faz–te mal às costas. Não chove só porque é a tua folga nem há trânsito só porque tu pegaste no carro. As gajas não são todas umas mentirosas nem todos os gajos te querem usar. Existem pessoas boas e tenho a certeza de que conheces alguma. Não és vítima de nenhuma conspiração porque a única pessoa que conspira contra ti és tu. Sim. Estás sozinho no clube “anti-a-minha-pessoa” e isso é bem triste. Fundaste um clube e és o único participante. Porque o mundo não está mesmo interessado em lixar-te. As pessoas que te rodeiam não estão todas contra ti nem o azar é só teu. Acredita. O azar é um bocadinho de todos (deverias ver o azar que tive ao tirar a carta de condução. Fartei-me de chumbar e aquilo sim, foi claramente azar/praga/macumba. Nunca foi falta de jeito. Nunca. Foi mesmo azar), mas a sorte, essa também é tua. Tu é que nunca estás atento e quando ela passa por ti e te diz “bom dia”, viras-lhe a cara e viras-te para o azar que já conheces tão bem.

Caríssimo, sei que te estou a lixar os planos ao dizer-te isto, porque se não és a vítima, és o quê? Que raio de papel irás encarnar agora? Acabo de te puxar o tapete, não é?

Se deixares de ser a vítima, perdes o motivo para as tuas trombas matinais e azedume habitual. Perdes a razão para maldizeres a tua vida. Desculpa lá. Mas esse mesmo mundo, que achas que se uniu inteirinho e em concílio para te tramar, também é meu, por isso, senti-me na obrigação de te chamar à atenção. Se somos colegas de casa, temos o dever de olhar uns pelos outros e de dividirmos as contas. E isso, eu acho que já fazemos. Metade de azar para ti mais metade do azar para mim. Não pagas a fatura sozinho. Não és o condenado nem o infeliz que paga sempre as favas. Para de comer favas e vais ver que já não tens de as pagar. O que te quero dizer, meu caro, é que tens mesmo de parar de enviar essa carga negativa ao mundo por achares que ele te odeia. Ele não te odeia. A lua ilumina-te todas as noites, o sol aparece sempre que te faz mais falta, o mar continua magnífico mesmo que lhe mijem para cima. Porra, o mundo é maravilhoso.

Não me leves a mal. Juro que estou a dar-te nas orelhas com amor e carinho, mas também com assertividade e sem qualquer sentimento de pena. Não achas que já tens isso e em demasia? Não achas que já existem demasiadas pessoas na tua vida que te tratam como vítima e te passam a mão pelas costas, consolando-te à pressa? Não achas que já existe gente a mais que ouve as tuas lamúrias e que são essas mesmas pessoas que inspiram o ditado “coitado de quem as ouve, porque quem as diz fica aliviado”? Não achas?

Não quero ser mais uma pessoa que te diz, “tens razão, tudo de mal te acontece”, concordando com um complô que tu encomendaste. Não posso compactuar com isso. Não acredito que este mundo que tantas bênçãos nos oferece seja o mesmo mesquinho e cruel que se une diariamente para te lixar a vida. Não posso deixar de achar que, aqui, o matreiro és tu. És tu que te unes para dizeres mal do nosso lugar, és tu que o culpas, és tu que o acusas. Nunca o ouvi difamar-te. Nunca o vento sussurrou um boato sobre ti, nunca a chuva caiu ácida nos teus pés, nunca o chocolate se derreteu, azedo, na tua boca.

Caraças, deixa de reclamar e de dizer que este mundo não presta, que as pessoas não prestam, que a tua vida não presta. O que não presta mesmo é esse discurso chato de quem está tão mal habituado e que nunca sentiu a vida fugir-lhe por entre os dedos, porque, se sentisse, não reclamava tanto e amava mais. Mostra lá um sorriso genuíno, dá um abraço generoso, canta qualquer coisa e ri a plenos pulmões. E é assim que fazes as pazes com o mundo – e se as fizeres, serás recompensado com gratidão. E esse é mesmo o melhor presente que podes receber.

#deixadeserchato

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Escreve à quinta-feira