A complexa corrida presidencial norte-americana tem um fetiche por terças-feiras. E, para não variar, a desta semana correu bem a Donald Trump e Hillary Clinton, que apesar de ainda não terem o número mágico que os tornará candidatos presidenciais têm os caminhos abertos para a disputa de 8 de novembro – terça-feira, claro está.
Nas cinco disputas republicanas, o bilionário venceu quatro e amealhou 177 delegados de uma vez só. Para ser ter ideia da dimensão do feito basta ver que os seus três adversários juntos – sim, Marco Rubio só abandonou a corrida após as votações, mas já lá vamos – somaram 121. E desses, 66 correspondem à vitória de John Kasich no Ohio, estado onde é governador e onde conseguiu contrariar as sondagens para bater Trump.
O Ohio, tal como Florida e Missouri, recorreu à fórmula do vencedor-leva-tudo para usar uma tradução literal da expressão nativa. Ou seja, nem que a diferença fosse de apenas um voto, todos os delegados do estado foram atribuídos ao vencedor, ao contrário do sistema proporcional (que tem 30% dos votos leva 30% dos delegados…) que foi a regra até agora.
Mas se Kasich salvou a face no Ohio – somou a sua primeira vitória, na 32.ª votação destas primárias republicanas -, Rubio não conseguiu fazer o mesmo no seu estado natal. Ainda não se sabiam os números finais – os mesmo eleitores que o enviaram para Washington como representante do estado no Senado deixaram-no a 18,7% do vencedor – e Rubio já anunciava a sua desistência da corrida.
“Estamos a meio de uma tempestade política, de um tsunami que devíamos ter conseguido antecipar. As pessoas estão zangadas e muito frustradas”, disse o homem que em 2010 viu a sua eleição para o senado ser noticiada como a chegada a Washington do “primeiro senador do Tea Party” e agora sai da corrida presidencial como o último derrotado do aparelho republicano.
“Tudo começou em 2007/08, com uma queda horrível da economia”, lembrou Rubio ao reconhecer que as pessoas “estão fartas de ouvir os autoproclamados líderes dizer-lhes que não sabem do que falam e deviam ouvir as chamadas pessoas inteligentes”. Nick Larossi, um angariador de fundos da campanha de Rubio, foi mais explícito em declarações ao International Business Times: “O que é frustrante é que Rubio sempre tentou trabalhar fora da caixa, nunca foi um homem do aparelho”.
Ou seja, no outro lado do Atlântico a vida está boa é fora da caixa. E Rubio seria o candidato antissistema se não existisse Donald Trump. E, já agora, Ted Cruz, que sendo ainda mais colado à ala radical Tea Party conseguiu assumir-se como única alternativa viável à nomeação do polémico magnata.
Democratas sem alternativas E não se pense que esse sentimento é exclusivo do eleitorado republicano. Ao se apresentar à corrida como um “socialista democrata”, Bernie Sanders estaria “morto” logo à partida, não fosse o cansaço dos eleitores faces aos aparelhos dos dois únicos partidos do país – como lembrou na semana passada o embaixador norte-americano em Lisboa, Robert Sherman, qualquer compatriota seu com uma certa idade ouve socialista e escuta comunista.
Mas o senador não só não morreu como conseguiu manter uma disputa renhida até à super-terça feira com que se iniciou o mês de março. E mesmo após a cinco derrotas desta terça-feira – a do Missouri foi apenas por 0,2% e Sanders até ficou com mais um delegado, por ter vencido mais um condado -, mantém-se a uma distância de Hillary Clinton pouco superior à que separa Trump de Cruz.
O problema é que o Partido Democrata defende-se melhor dos antissistema e Hillary conta com o apoio já anunciado de 467 superdelegados – democratas eleitos para cargos estaduais ou federais. Gente do aparelho, mais ligada a uma ex-primeira-dama do que a um senador radical do remoto estado do Vermont – Sanders soma apenas 26 desses delegados.
A ironia é que o eleitorado mais radicalizado da história recente dos EUA acabará por escolher para candidatos duas figuras que há décadas fazem parte do dia-a-dia do país, um enquanto popstar do mundo empresarial e outra na própria vida política. Tão vasta é a sua trajetória pública que em muitos casos chega a ser comum, como mostra a presença do casal Clinton no terceiro casamento de Trump, em 2005.
As generosas doações de Trump às campanhas eleitorais do casal Clinton já foram muito debatidas na disputa republicana, mas para a campanha presidencial esperam-se muitas idas ao baú das recordações. Para se descobrirem coisas como a opinião de Trump sobre as primárias democratas de 2008, em que Hillary enfrentava Barack Obama: “Conheço Hillary e sei que seria uma grande presidente ou vice-presidente”, escreveu o agora candidato no seu blogue no sítio trumpuniversity.com. Agora a conversa é outra – Hillary diz que o antigo amigo é uma “ferramenta de recrutamento do Estado Islâmico”, o magnata ataca-a com os casos extraconjugais do marido e faz anúncios com ela a ladrar. E a coisa promete piorar até à tal terça-feira de novembro.