Cuba. Um pequeno passo para Obama, um passo de gigante para as Américas

Cuba. Um pequeno passo para Obama, um passo de gigante para as Américas


A visita de Obama a Cuba é um marco histórico ao fim de décadas de conflito e uma tentativa de tornar irreversível a reaproximação iniciada 


Menos de 150 quilómetros separam os EUA de Cuba, mas as últimas décadas fizeram desta uma distância problemática, não apenas a nível ideológico mas, de costas voltadas, a pequena ilha tornou-se uma pedra bicuda no sapato do gigante. Mas as coisas estão muito melhores e, ontem, Barack Obama aterrou em Cuba, trouxe a mulher, as filhas, até a sogra, não se sabe se Bo, o cão-d’água português adotado pela família depois de chegar à Casa Branca, mas também com ele uma série de empresários e políticos nesta visita histórica, a primeira de um líder norte-americano a Havana desde que Calvin Coolidge ali chegou num navio de guerra em 1928.

Barack Obama foi o presidente investido das esperanças do mundo na paz e recebeu o Nobel pela promessa que carregava a sua mensagem nesse sentido, após a brilhante campanha que o levou à Casa Branca em 2008. Mas oito anos depois e dez meses antes de abandonar o cargo, o legado do primeiro presidente negro da história dos EUA não conta com grandes avanços no que diz respeito à paz no mundo. A visita que começou ontem em Cuba e terminará no dia 25 na Argentina surge como uma tentativa de consolidar uma das poucas conquistas da estratégia da sua administração em termos de política externa, aquela que se baseou no reforço da diplomacia e do multilateralismo e no compromisso com o diálogo, e que implicou até a Casa Branca reconhecer erros do passado. O esforço de reconciliação com aqueles países que os EUA trataram ao longo de décadas como o seu pátio das traseiras é a prova da eficácia do tom do presidente. E isto assume particular relevância numa altura em que os grandes contrastes que se vivem no interior do seu país estão espelhados na candidatura cada vez mais robusta de Donald Trump à Casa Branca, com uma mensagem nacionalista e xenófoba.

Não há muitos outros destinos que Obama possa visitar destacando os seus sucessos longe da sombra da violência terrorista, das tensões geopolíticas ou evitando choques com outras potências. No Médio Oriente, uma zona onde a esperança parece sinal de ingenuidade, e na tentativa de criar vínculos mais fortes com a Ásia – uma das prioridades quando chegou ao poder – não foi muito longe. Mas na relação com a América Latina, a história ganha contornos mais otimistas.

Obama soube desativar o ambiente de suspeição e hostilidade de boa parte dos movimentos políticos que têm uma longa tradição de antiamericanismo. A par do acordo nuclear negociado com o Irão, o reatamento das relações diplomáticas com o regime cubano é o melhor exemplo da tentativa de Obama de virar uma página da história que foi escrita ainda antes de ele ter nascido – esta aproximação a uma rivalidade com mais de meio século.

“É difícil exagerar a importância e o papel de Cuba”, disse ao “El País” Michael Shifter, presidente do Diálogo Inter-Americano, o principal think tank no que diz respeito às relações entre Washington e o resto do continente americano. “Toda a região passa a ser vista de uma nova perspetiva”, adianta. A tese da administração é que o degelo das relações com Cuba abrirá caminho a uma série de outros avanços em toda a América Latina. Quando o irmão mais novo e sucessor de Fidel Castro recebe com honras de Estado o presidente norte-americano em Havana, a mensagem para o resto do continente é que o maior símbolo da oposição começou a levantar do seu horizonte os espantalhos que sinalizavam o perigo do imperialismo norte-americano. Pela primeira vez em muito tempo, um líder dos EUA pode passear por toda a América Latina, e até por países com os quais as relações se mantém tensas, como é o caso da Venezuela, sem que a hostilidade seja a nota dominante.

Ao aterrarem ontem à tarde na ilha, os passageiros do Air Force One tiveram direito a uma receção com passadeira vermelha. Obama não apenas se reunirá com Raúl Castro, mas irá passear com a família pelos bairros antigos de Havana e terá oportunidade de assistir a uma partida de basebol entre cubanos e norte-americanos. Irá ainda fazer um discurso que será transmitido pelas televisões a partir do histórico teatro onde, há 88 anos, Calvin Coolidge fez o seu.

Nestes dois dias de visita a Cuba, Obama vai reunir-se não apenas com empresários, mas com dissidentes. Numa carta enviada no início do mês de março a um dos mais destacados grupos de opositores do regime, o Damas de Branco – movimento feminista constituído por mulheres e mães de presos políticos cubanos –, Obama garantiu que a questão da liberdade da expressão seria um dos assuntos que iria debater diretamente com o presidente cubano. Entretanto, o governo de Cuba já garantiu que a discussão de políticas internas está “fora da mesa”.

Se é certo que Obama não vai usar a visita de dois dias para lançar um ultimato a Raúl Castro quanto aos direitos humanos, também não se espera que venha a anunciar a há muito prometida desativação da base naval norte-americana de Guantánamo, nem está em condições de levantar o embargo comercial, que é o mais evidente obstáculo à normalização das relações entre os dois países. Mas quanto a este assunto, tem as mãos amarradas, uma vez que só o Congresso pode pôr fim ao embargo definido por John F. Kennedy um ano após Eisenhower ter cortado relações diplomáticas com Cuba.

Mas se há muito ainda a fazer, se há muito que Obama já não vai conseguir mudar, esta visita surge como um esforço para tornar irreversível o reatamento das relações com Cuba. Novos ventos que levaram já os dois países a reabrir as respetivas embaixadas e a assinar vários acordos comerciais – incluindo um que restaurou os voos comerciais entre EUA e Cuba. Nos dez meses que restam a Obama, outras medidas deverão ser anunciadas, como a que a administração anunciou na quarta-feira, 16 de março, permitindo que os norte-americanos viajem até à ilha em visitas educacionais e elevando o limite máximo de dólares que pode ser transferido para contas bancárias cubanas.

diogo.pinto@ionline.pt