Os ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP reúnem-se amanhã em Lisboa e bem podem esforçar-se para que esta organização não continue a definhar até à sua total irrelevância.
Nascida de um sonho legítimo e de uma reconciliação das várias pátrias de língua portuguesa, a CPLP veio de muito antes da sua fundação formal, em 1996. Os pais dos movimentos de libertação criaram, logo em 1961, a Confederação das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, que germinou na Casa dos Estudantes do Império e reconhecia que tanto os portugueses como os povos daquelas então colónias eram vítimas de um mesmo regime opressor.
Quando a CPLP finalmente se constituiu, há 20 anos, depositou-se nela grande esperança, até porque os países integrantes se pacificavam e cresciam. Aos poucos, porém, verificou-se que quase todos desmobilizaram e procuraram parceiros económicos fora do eixo da organização, tornando até cada vez menores os laços culturais. Exemplo disso é a confusão criada à volta do acordo ortográfico. Hoje em dia, quase nada distingue a CPLP . O seu alargamento à Guiné Equatorial tornou-a até motivo de vergonha e chacota. Ainda por cima, o novo membro falhou todos os compromissos que assumiu para entrar.
As relações entre os países da CPLP fazem-se hoje ao nível bilateral e pouco através da organização, que mais parece existir para distribuir uns quantos lugares políticos e umas prebendas. Na realidade, nada funciona ao nível prático. Tem valido o esforço da Confederação Empresarial CPLP, que leva a efeito iniciativas com pés e cabeça, apresentando propostas simples que poderiam fomentar uma aproximação humana através da economia. Questões como a liberdade de circular dentro do espaço CPLP num mundo que se fecha, a desburocratização e a cooperação estratégica são essenciais, mas não há meio de se concretizarem. Existe, é claro, a exceção da UCCLA, que tem revitalizado a relação entre os países através das capitais e que, no plano cultural, teve o enorme mérito de reeditar todas as obras dos grandes escritores e políticos dos movimentos nacionalistas, graças à dedicação de Vítor Ramalho, um raro conhecedor do espaço lusófono no seu todo.
Atualmente assiste-se a uma novela lamentável na CPLP devido a uma disputa pelo lugar de secretário executivo que, nos termos de uma rotatividade aceite por todos, tem de caber a Portugal. Há resistência a isso por parte de alguns países. O nosso MNE, Santos Silva, com o seu gosto por malhar, optou pelo confronto público em vez de resolver o assunto na chancelaria com a descrição que a coisa exige. Quem está agora com a batata quente nas mãos é o Presidente Marcelo que, entretanto, tenta ganhar protagonismo e relançar a CPLP, ao mesmo tempo que se posiciona para ser o negociador da paz em Moçambique (país de que tanto gosta), sobre a qual terá falado com o Papa no Vaticano. A revitalização da CPLP e a sua efetiva utilidade são, portanto, um projeto relativamente ao qual o presidente e o primeiro-ministro terão, por certo, grande sintonia. O perfil do ou da nova secretária executiva (a confirmar-se que será um português) é um elemento essencial para uma reconstrução do projeto. Um erro de casting seria uma tragédia.
Constituída por países com uma língua comum e, portanto, uma proximidade cultural objetiva, a CPLP não pode, porém, continuar a ser coisa nenhuma. Até há pouco tempo, Angola olhava-a com a sobranceria do novo-rico. O Brasil desdenha-a, sem entender a sua potencialidade. Ora, o Brasil é matricial para a organização dada a sua dimensão e projeção. E exatamente por estarem numa crise profundíssima, os brasileiros deveriam perceber que só ganham se demonstrarem empenho em vez de cinismo. A Guiné-Bissau é um narcoestado, mas pode “relegitimar-se” através da CPLP. São Tomé nada tira da sua existência, pois depende inteiramente de Luanda e de Lisboa. Timor está nos confins do mundo e, aos poucos, vai-se distanciando ainda mais. Cabo Verde só tem a ganhar com o seu envolvimento, visto que tem quadros capazes e precisa de dinâmicas económicas para os colocar. Moçambique tem uma situação geoestratégica ímpar, mas precisa de paz. Quanto à Guiné Equatorial, está tudo dito mais acima e o melhor era sair. Portugal é a porta da Europa e o ponto a partir do qual tudo começou, não tendo, no entanto, de ser o centro de nada, mas antes o maior elo comum. Porém, tem-lhe faltado visão e sabedoria, sobrando retórica.
Há uns anos, a CPLP era uma organização emergente e potencialmente rica. Hoje, não é nada disso. A prosápia de alguns acabou com as crises de 2008 e, depois, com a do petróleo. Talvez até por isso esta seja a oportunidade para repensar tudo e construir, de facto, uma realidade sólida. Assim haja vontade política e vontade dos povos integrantes de uma comunidade que tem mais de 200 milhões de pessoas que se entendem na quinta maior língua do mundo.
Jornalista