Orçamento. Moscovici aterra em Lisboa para um braço de ferro com Centeno

Orçamento. Moscovici aterra em Lisboa para um braço de ferro com Centeno


Comissão pede esforço adicional de 700 milhões. Governo quer pacote “opcional” e que não tenha impacto no rendimento e no consumo


O comissário europeu dos Assuntos Económicos aterra hoje em Lisboa com um pesado caderno de encargos que vai entregar ao governo. As medidas orçamentais a incluir no Programa de Estabilidade de abril são o prato forte dos encontros com o ministro das Finanças e o primeiro-ministro. Antecipam-se “negociações difíceis” quanto à necessidade de mais austeridade.

A visita de Moscovici é uma de várias que o comissário vai fazer a diversas capitais europeias, ao abrigo do chamado semestre europeu. Os Estados-membros têm de entregar em abril os Programas Nacionais de Reformas, com medidas estruturais de longo prazo, e os Programas de Estabilidade, de cariz sobretudo financeiro.

E, no capítulo financeiro, a distância entre Lisboa e Bruxelas é superior a uma viagem de avião, com divergências que se arrastam há mais de um mês. Quando deu luz verde ao esboço do Orçamento do Estado português, no início de fevereiro, a comissão pediu logo nessa altura mais medidas, para que o Pacto de Estabilidade fosse cumprido. Ou seja, teria de haver medidas adicionais de 0,4% do PIB – cerca de 700 milhões de euros, como o Diário Económico avançou ontem.

No Eurogrupo que se seguiu, Mário Centeno assumiu que iria estudar um pacote de medidas adicionais, a implementar “quando necessário”, e aqui reside a divergência.

Na perspectiva da Comissão Europeia, Portugal terá de reforçar o esforço para reduzir o défice estrutural. Quando aprovou o Orçamento, Bruxelas assinalou que as metas do governo continuavam aquém das determinações do Pacto de Estabilidade e Crescimento e das recomendações do Conselho Europeu, que determinou que o défice estrutural devia ser reduzido em 0,6% do PIB.

Com o pacote de mil milhões de euros que o governo acordou com os técnicos de Bruxelas – que incluía o aumento do imposto sobre combustíveis e o recuo na descida da TSU, por exemplo – os técnicos de Bruxelas calcularam que o défice estrutural iria ser reduzido entre 0,1% e 0,2% do PIB este ano.

Como este decréscimo estava abaixo do que impõe as regras, a mensagem da Comissão foi clara, no relatório final sobre o orçamento: “A Comissão convida as autoridades portuguesas a tomas as medidas necessárias, no âmbito do processo orçamental nacional em curso, para assegurar que o orçamento para 2016 cumpre o Pacto de Estabilidade e Crescimento”, lê-se no documento, que também questionava o impacto orçamental das medidas então anunciadas pelo governo, como a redução dos consumos intermédios.

Com o OE2016 praticamente fechado, esta recomendação não foi seguida. E Bruxelas está a insistir precisamente no esforço adicional de 0,4% do PIB, equivalente a 700 milhões de euros.

Mas, do lado do governo, a perspetiva é de que as medidas só devem ser concretizadas se houver desvios na execução orçamental nos primeiros meses do ano. E mesmo que sejam necessárias, a perspetiva na equipa de Mário Centeno é que eventuais medidas adicionais devem ter o mínimo impacto económico possível, para que a cura não piore a situação doente.

Medidas abruptas com impactos nos rendimentos das famílias são encaradas com desconfiança no Ministério das Finanças, que está antes a estudar medidas incrementais que não gerem retração na procura – e por arrasto nas receitas fiscais.

Perante visões distintas sobre o ajustamento orçamental, o diálogo entre a Comissão e o Governo vai tornar-se mais aceso, e a visita de Moscovici deverá marcar uma posição de Bruxelas.

Ontem, o presidente da Comissão Europeia foi questionado sobre as questões orçamentais em Portugal e deu a entender que as relações Lisboa-Bruxelas estão acesas. Jean-Claude Jucker esteve em Lisboa para a tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa e admitiu: "Eu não estou aqui para acabar com as difíceis negociações, porque elas vão ser difíceis”.