Incompatibilidades dos magistrados, interesse público e estatuto


A magistratura ainda se organiza, hoje, como uma carreira pública em que sobrelevam ónus de exclusividade absoluta.


1. Muito se tem falado nos últimos dias de um processo que envolve um magistrado. Não vou aqui eu falar sobre ele, até porque sempre entendi que, para além do que prescrevem as normas sobre o pronunciamento dos magistrados em relação a processos pendentes, deve nesta matéria reger sobretudo o bom senso e este só aconselha à maior contenção.

O que no referido caso suscitou a minha vontade de sobre ele me pronunciar é a questão das incompatibilidades estatutárias que devem condicionar a função e carreira dos magistrados.

2. Parece hoje mais aceitável – até para aqueles que, por motivos vários, sempre defenderam o contrário – que a função de magistrado e a sua regulação não podem conter-se nos limites simples de outras carreiras públicas ou de outros funcionários do Estado. 

Na verdade, a opção pelas magistraturas não pode deixar de implicar para quem a faz um comprometimento com um conjunto de obrigações que limitam imediatamente a capacidade de exercício da sua cidadania, limitações essas que tendem a prolongar-se no tempo, mesmo para além do momento em que cessa o exercício de tais funções.
Esses limites não têm a ver unicamente com os riscos inerentes à prática de tais funções no momento em que são exercidas, mas com a própria imagem que tal exercício necessariamente projeta para futuro, decorrente precisamente do desempenho passado.

Quero com isto dizer que quem exerceu funções de magistrado deve projetar, mesmo depois de ter deixado de exercê-las, uma imagem que continue a dignificar aquela função, obrigando–se e sendo obrigado, depois e para sempre, a assegurar os valores da confiança e isenção da justiça que tal prática inexoravelmente pressupunha. 

Daí, obviamente, a necessidade de um estatuto para os magistrados que, limitando-os numa parte necessariamente bem balizada da sua capacidade de exercício da cidadania, os compense, ainda que parcialmente, por essa ablação dos direitos de que gozam outros cidadãos. 

Porém, só definindo muito bem esses limites e as imposições que eles comportam é, com efeito, possível, num mundo em que a confusão de interesses públicos e privados alastra e arrasa a credibilidade do exercício de cargos e funções do Estado, defender simultaneamente a imagem da justiça e os direitos dos magistrados.
Acresce que, ao contrário de outros cargos públicos de relevante importância social, as magistraturas organizam–se profissionalmente enquanto carreiras públicas.

O exercício de magistrado não se confina, de facto, ao período de um mandato e às circunstâncias de uma eleição: logo, os sacrifícios decorrentes de tal exercício têm de ter um âmbito temporalmente maior.

A magistratura ainda se organiza, hoje, como uma carreira pública em que sobrelevam ónus de exclusividade absoluta.

Preservar duradouramente os magistrados da confusão de interesses é, pois, uma obrigação que o Estado lhes impõe e que os onera (e responsabiliza) pessoalmente, mas que é imprescindível para que o sistema de justiça continue a funcionar com credibilidade e isenção.

Só um regime fortemente restritivo pode, de facto, assegurar tal preocupação.

3. Daí a existência do seu especial regime de jubilação: a obrigação de manter os mesmos ónus e impedimentos, mesmo depois da idade da reforma. 

Em rigor, esse não deveria ser, portanto, um regime optativo, mas sim a regra que, só excecional e justificadamente e por causa de funções não conflituantes com o interesse público, deveria permitir o regime da aposentação comum aos outros funcionários. 
 
Jurista
Escreve à terça-feira 


Incompatibilidades dos magistrados, interesse público e estatuto


A magistratura ainda se organiza, hoje, como uma carreira pública em que sobrelevam ónus de exclusividade absoluta.


1. Muito se tem falado nos últimos dias de um processo que envolve um magistrado. Não vou aqui eu falar sobre ele, até porque sempre entendi que, para além do que prescrevem as normas sobre o pronunciamento dos magistrados em relação a processos pendentes, deve nesta matéria reger sobretudo o bom senso e este só aconselha à maior contenção.

O que no referido caso suscitou a minha vontade de sobre ele me pronunciar é a questão das incompatibilidades estatutárias que devem condicionar a função e carreira dos magistrados.

2. Parece hoje mais aceitável – até para aqueles que, por motivos vários, sempre defenderam o contrário – que a função de magistrado e a sua regulação não podem conter-se nos limites simples de outras carreiras públicas ou de outros funcionários do Estado. 

Na verdade, a opção pelas magistraturas não pode deixar de implicar para quem a faz um comprometimento com um conjunto de obrigações que limitam imediatamente a capacidade de exercício da sua cidadania, limitações essas que tendem a prolongar-se no tempo, mesmo para além do momento em que cessa o exercício de tais funções.
Esses limites não têm a ver unicamente com os riscos inerentes à prática de tais funções no momento em que são exercidas, mas com a própria imagem que tal exercício necessariamente projeta para futuro, decorrente precisamente do desempenho passado.

Quero com isto dizer que quem exerceu funções de magistrado deve projetar, mesmo depois de ter deixado de exercê-las, uma imagem que continue a dignificar aquela função, obrigando–se e sendo obrigado, depois e para sempre, a assegurar os valores da confiança e isenção da justiça que tal prática inexoravelmente pressupunha. 

Daí, obviamente, a necessidade de um estatuto para os magistrados que, limitando-os numa parte necessariamente bem balizada da sua capacidade de exercício da cidadania, os compense, ainda que parcialmente, por essa ablação dos direitos de que gozam outros cidadãos. 

Porém, só definindo muito bem esses limites e as imposições que eles comportam é, com efeito, possível, num mundo em que a confusão de interesses públicos e privados alastra e arrasa a credibilidade do exercício de cargos e funções do Estado, defender simultaneamente a imagem da justiça e os direitos dos magistrados.
Acresce que, ao contrário de outros cargos públicos de relevante importância social, as magistraturas organizam–se profissionalmente enquanto carreiras públicas.

O exercício de magistrado não se confina, de facto, ao período de um mandato e às circunstâncias de uma eleição: logo, os sacrifícios decorrentes de tal exercício têm de ter um âmbito temporalmente maior.

A magistratura ainda se organiza, hoje, como uma carreira pública em que sobrelevam ónus de exclusividade absoluta.

Preservar duradouramente os magistrados da confusão de interesses é, pois, uma obrigação que o Estado lhes impõe e que os onera (e responsabiliza) pessoalmente, mas que é imprescindível para que o sistema de justiça continue a funcionar com credibilidade e isenção.

Só um regime fortemente restritivo pode, de facto, assegurar tal preocupação.

3. Daí a existência do seu especial regime de jubilação: a obrigação de manter os mesmos ónus e impedimentos, mesmo depois da idade da reforma. 

Em rigor, esse não deveria ser, portanto, um regime optativo, mas sim a regra que, só excecional e justificadamente e por causa de funções não conflituantes com o interesse público, deveria permitir o regime da aposentação comum aos outros funcionários. 
 
Jurista
Escreve à terça-feira