Por este rio acima, o Douro, até à foz do Tâmega, e eis-nos chegados a Entre-os-Rios, a povoação que ficou tristemente célebre quando, em março de 2001, o tabuleiro da Ponte Hintze Ribeiro desabou e um autocarro e três carros foram engolidos pelas águas do rio. Morreram cerca de 60 pessoas. Andavam por essa altura muito invernosos os dias; as pesadas chuvas caídas engrossavam o caudal e deixavam revoltoso o rio. Revoltosas foram também as críticas que começaram a chover de todos os lados. Revoltoso foi o luto das gentes abatidas pela tragédia. Um ministro demitiu-se de imediato, assumindo que a culpa não podia morrer solteira. E foi à vida.
E uma nova ponte viria a ser construída sobre o Douro, de novo unindo Entre-os-Rios a Castelo de Paiva. Ponte que, segundo notícia divulgada pelo atual autarca deste concelho no verão passado, já apresenta fissura preocupante. Estará a anunciar-se uma nova derrocada? Para longe vá o agoiro! As gentes do interior já sofrem os malefícios do esquecimento, não precisam de ser despenhadas nas águas para fazerem acender os holofotes da fama. Nem do circo mediático a azucrinar-lhes os dias e a vida pacata. Vida vivida à força de pulso e na míngua dos dias pardacentos que a velhice lhes vai escorrendo. Por estas bandas avista-se pouca gente, e nos bancos ao sol sobram os que já deram às lides os melhores dos anos. Cavaqueiam, tricotam histórias e lamúrias, e miram os visitantes que logo adivinham de fora. Sem rodeios, lá respondem ao caminho a tomar, “sobe por aquele estradão acima, desanda à esquerda, desanda à direita, fica logo ali”. E ali pode ser uns bons quilómetros adiante, mas… a bonomia é tudo.
Em chegando ao Porto e seguindo na direção de Campanhã, toma-se a nacional 108, também conhecida como estrada marginal do Douro, e continua-se a bordejar o rio, remansoso no seu “timbre pardacento” e naquele “jeito fechado/ de quem mói um sentimento” – como canta Rui Veloso em “Porto Sentido”. Por alturas de Valbom, em Gondomar, um oportuno arranjo da zona ribeirinha ergueu longo passadiço, entrecortado por zonas de descanso, por onde descontraídos desocupados se entregam à caminhada ou à pedalada na manhã soalheira de inverno. Gente com ar urbano. Os carros estacionados por perto.
A vista é assombrosa, o rio espraia-se por entre margens alcantiladas, já a fazer lembrar os magníficos puzzles dos vinhedos do Douro Vinhateiro. Quando a margem é mais espaçosa, o casario desarruma-se até à beira-rio, incaracterístico, e nem faltam as incontornáveis maisons empinocadas e kitsch a condizer. Tudo é paisagem.
O ar desafogado que se respira neste ir pelo rio acima dissipa o ruído orçamental que a cegarrega dos comentadores inconformados vai troando.
E que os burocratas de Bruxelas foram tangendo, e causaram mossa, a ver se estavam criadas condições suficientes – que as necessárias, as políticas, estavam prontas – para repetir com todos os pormenores o folhetim da Grécia. Saiu-lhes, por agora, o tiro pela culatra. Eles não vão desistir. E nós também não.
Por este rio acima, povo do meu país!