Deolinda. Entre o Louvre de havaianas e o funaná

Deolinda. Entre o Louvre de havaianas e o funaná


“Outras Histórias” é o quarto e novo disco da banda lisboeta editado esta sexta-feira. Motivo perfeito para uma conversa a cinco à volta de uma mesa


Nunca deixar a conta de Facebook aberta, sobretudo junto dos Deolinda. Que o diga Filipe Melo, músico que colaborou com a banda neste “Outras Histórias”, e que foi alvo de facejacking – modalidade criminosa na berra que visa embaraçar o dono da página com publicações danosas e/ou cómicas – com o seguinte dito: “Estou em estúdio a fazer arranjos de cordas para os Deolinda…que seca”. Isto contam-nos os autores do crime mal pousamos o telefone que fará as vezes de gravador. Ameaça que não fosse sermos desprovidos de redes sociais nos teria feito estremecer.

Nada disso, aproveitamos para contra atacar. Lança afiada para saber se a frase no perfil de Filipe Melo é falta de confiança ou mera brincadeira. “Até acho saudável existir pessoal que nos acha chatos”, responde Luís José Martins. Isto antes de Ana Bacalhau confirmar: “Não nos levamos demasiadamente a sério, gostamos de brincar, de subverter. Daí talvez esse espírito autodepreciativo, obviamente que gostamos que gostem do nosso trabalho e confiamos no que fazemos”. Arrumada a questão? Não estivesse e não estaríamos preencher estas linhas em torno do quarto disco dos Deolinda. Mais um objeto que se espera de sucesso numa das turmas mais populares – falamos de fama e de música – do universo nacional.

“Outras Histórias”, com selo Universal, é editado no próximo dia 19 de fevereiro e começou a ser desenhado, sobretudo por Pedro da Silva Martins, letrista da banda, em 2014, algures na tournée de “Mundo Pequenino” (2013). “O disco foi surgindo aos poucos, durante 2014, já no decorrer na tournée que estávamos a fazer, e depois para o final do ano foi quando consegui mais temas. Em abril de 2015 juntámo-nos todos à volta das ideias”, conta Pedro. Dica para mais uma provocação, como que a dizer que Pedro é o faz tudo e José Pedro Leitão, Luís José Martins e Ana Bacalhau o trio que espera pela papinha toda feita. “Sim, é isso, depois juntamos e levamos as músicas ao departamento de controlo de qualidade”, afirma em tom de brincadeira José Pedro Leitão. Algo a que Ana Bacalhau responde com: “Nada disso, vai direto para a linha de montagem, ou para a sala de ensaios se assim lhe quisermos chamar”.

Foi quase “outra desgraça” 15 faixas que urgem, como sempre em Deolinda, de um processo orgânico, de uma tábua rasa que, às tantas, ergue um conceito. “Acho que chegámos ao conceito depois, sempre foi assim. Não queremos impor um conceito às canções”, confirma Ana Bacalhau. Prova disso é a confissão do contrabaixista José Pedro Leitão em relação ao nome escolhido: “Foi um grande trabalheira”. Algo que Ana Bacalhau se apressa a validar: “Foi o nome mais difícil de todos. Não foi nada pensado nesse sentido, este disco esteve mesmo quase para se chamar ‘Outra Desgraça’, porque nos dava muito gozo pensar nas parangonas: ‘Deolinda editam Outra Desgraça’. Mas depois achámos que ainda ia dar asneira…”.

A Deolinda está pronta para ir à discoteca E quem o diz não somos nós, mas os pais – ou filhos – criadores da personagem Deolinda. E se está a culpa também recai sobre DJ Riot, dos Buraka Som Sistema, que colabora com o quarteto em “A Velha e o DJ”, tema mais desconcertante do disco. “Acho que foi muito engraçada a experiência com o Riot, que à partida não sabíamos como é que ia resultar. A canção já tinha os seus arranjos e chama-se ‘A Velha e o DJ’, ou seja, pedia algo assim, experimentar um beat, cruzámo-nos com o Riot num festival e ele mostrou-se logo disponível”, explica.

Algures entre o acústico e o eletrónico, num vão de escada por limpar ou numa coletividade com mesa de bilhar, bebida à descrição e bola de espelhos. Algo que, os próprios admitem, ser algo inusitado no panorama dos Deolinda. “É o tuganá. Nunca tínhamos pensado nisto. Estamos mais que prontos para passar numa discoteca, ficaríamos tristes se isso não acontecesse. Desde que brincámos a dizer: ‘Fixe era a Deolinda ir ao Sudoeste ou à ZDB’. E fomos ao Sudoeste e à ZDB, desde aí que percebemos que nada é impossível”, diz a vocalista.

Não se circunscreva “Outras Histórias” a uma sonoridade inesperada. Há o mesmo, ou seja, Deolinda no seu registo habitual sempre a procurar reinvenção nas letras e texturas que envolve. Ainda a semana que passou lançaram o single e respetivo teledisco “Corzinha de Verão”, onde a banda percorre um museu com roupa de verão, uma espécie de antecipação a uma estação do ano que ainda demora, desejo de Louvre de havaianas ou Vaticano de vestido leve pelo joelho. “A canção era nitidamente uma canção de verão e o desafio era não usar esse cliché e, porque não falar da chuva, do inverno, do vento? Graças ao tema nós temos sabido como está o tempo em toda a parte do mundo. As pessoas dizem-nos coisas como: ‘Esse foi o meu fim de semana em São Paulo’”, diz Pedro da Silva Martins.

Parvos que vão sendo Os Deolinda sempre foram de causas, ainda que isso não seja intervenção propositada. A verdade é que por exemplo “Que Parva que eu Sou”, tomado, à época, como hino do trabalho precário e das novas gerações que teimam em não conseguir sair da casa dos pais. Ainda assim, a faixa não fez o salário mínimo aumentar, nem reduziu a taxa de desemprego. Terá acabado essa coisa da canção como arma? “A história repete-se porque se calhar é um pouco a índole humana. Uma canção pode fazer com que as pessoas pensem, dialoguem, gritem, pode ajudá-las nesse sentido. Agora são elas que têm que mudar as coisas, isso não isenta as pessoas de terem que fazer o seu trabalho”, avisa Ana Bacalhau. 

Ou seja, não se espante se, em breve, os Deolinda repetirem a proeza. Só falta criarem um partido.