Não há nada como uma festa da “Playboy” para tirar um homem solteiro de casa. A uma quarta-feira com chuva, parece impossível existir melhor opção. Mesmo com o anúncio do fim das mulheres nuas nas capas, que abalou o mundo masculino o ano passado, qual seria o português que quereria perder a oportunidade de conhecer uma playmate? Ninguém. Perfume aos molhos, camisa bem dentro das calças e siga para a discoteca Main em Santos. Muita gente apareceu, entre conhecidos e desconhecidos, para brindar a Playboy International Publishing Conference, uma reunião mundial de editores da revista, organizada pela primeira vez em Lisboa.
Mas os tempos são outros, os jovens preferem o harém da internet com possibilidades infinitas, as raparigas já não sonham pousar para uma capa e as parties de laço preto e rabinho branco felpudo têm os dias contados. Quando a vontade de “ir ler os artigos” – a famosa desculpa dos homens para lerem a “Playboy” – dentro de um espaço repleto de música e mulheres bonitas se sobrepõe a esta ocasião especial, está (quase) tudo dito.
O batalhão de seguranças vestidos de preto (iguais aos cartazes com o símbolo da marca) reuniu-se por volta da meia-noite à porta da antiga Kapital, e os festivaleiros que não se gostam de atrasar já estavam no piso de cima, de bebida na mão a bater o pé, encostados ao balcão. Um primeiro sinal do que a noite nos reservava.
Os tempos são outros. Um grupo de três rapazes que aos ziguezagues de um lado para o outro parecia a opção certa para perceber se isto do fim das mulheres nuas era um choque para uma geração (os millenials) que cresceu com o boom dos vídeos pornográficos gratuitos. “O que é que eu acho da versão portuguesa? Está falida não é?_Eu não ligo muito a revistas e nem as compro”, diz ao i Luís Santa Marta, que concorda que hoje em dia o computador satisfaz os desejos pessoais de cada um. O jovem desconhecia que ontem era dia de festa das coelhinhas e ficou ainda mais surpreendido quando soube que os responsáveis da marca vão acabar com a nudez. Muito bem. O melhor será descer novamente as escadas.
Se respostas masculinas estavam difíceis de arranjar, teria de ser o sexo feminino a ajudar. Ao mesmo tempo que Mónica Sofia, a primeira capa da edição nacional, em 2009, pousava para a fotografia, quatro raparigas, três delas com dificuldades em olhar direito, estavam à espera de pendurar os casacos nos cabides. Antes de começarmos a falar com uma delas, fomos “enviados” para um sítio obscuro – um palavrão daqueles, leia-se – mas Marta Gabriel amenizou o ambiente. Ela, que foi “arrastada” pelas amigas para o Main, desfaz o mito de que todas as mulheres gostariam de ser uma playmate. “Não faz parte de mim”, afirma sem soluçar. Apesar de respeitar quem o faz, acha que os homens do nosso país “têm vergonha” de admitir que consomem este tipo de produtos. Não se sabe se Marta terá razão, mas a verdade é que a revista já foi lançada no mercado por três vezes, e o consumidor português, pode ter tido alguma culpa no cartório.
Se o corte com o tradicional parece estar consumado, a enchente de gente estava a garantir o sucesso da festa sem se notar tristeza nesta nova realidade. Só que onde estavam os confettis? Os balões gigantes a saltitar? A ousadia provocadora que salta à vista depois de uma pesquisa no Google de imeganes de festas da “Playboy” nos Estados Unidos da América, que eternizou este ícone cultural no século passado? Foram substituídos pela música comercial non-stop dançada de mão dada com o vodka Redbull.
Era preciso reconquistar a esperança, e para isso, falámos com uma das playmates internacionais presentes no evento, Kasia Halela, que vive na Irlanda desde 2006, mas tem ascendência ucraniana e polaca, e já foi escolhida para ser capa da revista no México, na Polónia e Roménia. Vai estar também na nossa versão, e quis tranquilizar os leitores: “Acho que essa mudança da nudez não vai acontecer tão cedo, vai demorar tempo, mas vai ser mais sofisticado, vamos deixar à imaginação dos homens”, disse. Uff, dirão alguns.
O relógio estava próximo das duas da manhã e a discoteca já se encontrava cheia de rostos divertidos (com movimentos meio a cambalear). Para o director de conteúdos da revista norte-americana, Cory Jones, o responsável por esta mudança radical na revista, a justificação liga-se a uma nova tendência: “a nudez está a passar de moda”. Então e a velha máxima de que quem compra a “Playboy” só “lê os artigos”? “É verdade, se fosse só pelas mulheres nuas, a marca já estava falida”, garante no meio de risos. O símbolo feminino passará agora a ser “alguém com queremos ir beber um café”. Talvez o Main não seja então a melhor escolha para esse encontro.
Por outro lado, Marco Reis, sócio e diretor da “Playboy” portuguesa, quer que a marca aposte mais no digital, faça este tipo de eventos e “aposte nas mulheres reais portuguesas”. E o que diria Hefner? “Adoraria!”, responde. E desta festa? Fica a pergunta.
É dia de semana e está na hora de voltar para casa. À porta estão Jaguares, umas quantas pessoas a tentar entrar, outras tantas preocupadas com o visual. “O meu cabelo está horrível”, diz um rapaz olhando para o retrovisor de um carro. O mundo está mesmo diferente. Mais vale ir a casa do pai, roubar a edição da Pamela Anderson, a última mulher a pousar nua para a “Playboy”, e matar saudades dos velhos tempos – pois é, nem uma leitura ofereceram.