António Guterres ainda não tem a fórmula mágica para ajudar a ONU a resolver o problema dos refugiados, mas o ex-alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados não deixa de sinalizar saídas para a Europa lidar com a crise migratória, agora que está na corrida a secretário-geral da ONU. Ontem, no parlamento, onde esteve para uma audição na comissão de Negócios Estrangeiros a pedido do PSD, Guterres viu todos os partidos manifestarem “total apoio” à sua candidatura, da esquerda à direita. E saiu em defesa da Alemanha: “A Alemanha ainda é a válvula de escape do sistema. Muitos países europeus fecharam a porta e disseram: a Alemanha que resolva isso. Se não fosse a Alemanha, a tragédia tinha sido maior.”
Em Lisboa, o ex-primeiro-ministro defendeu a necessidade de a Europa adotar uma “política de migração regulada” para evitar a tragédia humana dos imigrantes que procuram uma nova vida no continente. Guterres não desresponsabiliza a Europa, no seu todo, da resposta mundial que tem sido dada às crises migratórias e aponta mesmo o dedo ao que diz ser o “discurso esquizofrénico” dos líderes europeus, que “não tem em conta a realidade”. “Se perguntarem em algumas sociedades se as pessoas querem ter mais filhos, as pessoas dirão que não; se perguntarem às pessoas se querem imigrantes, as pessoas dirão que não; e se querem trabalhar no restaurante em frente, também dirão que não. É o conjunto destes nãos que torna o conjunto da sociedade impossível”, ilustrou.
Segundo António Guterres, a crise dos refugiados que atravessam o Mediterrâneo para procurar fugir à guerra e melhores condições de vida na Europa “revelou uma grande falta de solidariedade dos países europeus”, que não foram capazes de se “mobilizar”. O ex-alto comissário para os Refugiados observou que o “nível de ajuda humanitária nos países limítrofes rondou uns 50% do básico, isto é, do que era verdadeiramente o mínimo necessário”. E deixou o aviso: “Se a Europa não for capaz de ultrapassar estas dificuldades de organização, temo pelo espaço Schengen e pelo espaço europeu.” E para ultrapassar as dificuldades de que fala, Guterres aponta para a necessidade de a Europa assumir uma “atitude pedagógica para que este debate seja menos esquizofrénico, seja mais tranquilo e mais racional, e para que se compreenda que, sendo embora as migrações um fenómeno necessário, ele deve ser convenientemente organizado e regulado”. “E o que é dramático é que, hoje, os fenómenos migratórios são especialmente organizados por contrabandistas e por traficantes”, acrescentou, lembrando a imagem que os europeus viram nas notícias: “Aquilo que os europeus viram foi uma multidão em movimento, e gerou a ideia de que a Europa estava a ser invadida.”
Convidado do PSD Antes da audição na comissão parlamentar, António Guterres foi recebido pelo presidente da Assembleia da República. Eduardo Ferro Rodrigues referiu-se ao ex-primeiro-ministro socialista como “não apenas um excelente candidato, mas um enorme candidato” a secretário-geral da ONU. Para Ferro, Guterres, que já viu a sua candidatura ao cargo lançada pelo governo, “pode virar uma página nas relações internacionais com o seu humanismo, a sua capacidade de trabalho, a sua resistência e a sua independência de espírito”. O presidente do parlamento tudo fará para dar uma “ajudinha” a Guterres, que vai acumulando apoios na cena internacional, como o do presidente da assembleia-geral da ONU, Mogens Lykketoft, que ontem se referiu ao socialista como “um bom candidato”.
Amanhã, António Guterres vai participar num jantar-conferência nas jornadas parlamentares do PSD, que decorrem até sexta-feira em Santarém. O tema da conferência é “Fluxos migratórios: das palavras à realidade”. O candidato a secretário-geral da ONU já tem o apoio do PSD e de Pedro Passos Coelho.