Eram outros tempos, mas graças a um comunicado do Governo-Geral de Angola chegado através do Secretariado Nacional de Informações, o “Diário de Lisboa” conseguiu relatar, logo a 4 de fevereiro de 1961: “Na noite passada, três grupos de indivíduos armados pretenderam assaltar a Casa de Reclusão Militar, o quartel da Companhia Móvel da Polícia de Segurança Pública e as Cadeias Civis de Luanda.” O mesmo artigo de primeira página acabava a garantir que os responsáveis haviam sido detidos e que a “ordem” estava “restabelecida”.
Não era bem assim. A data é hoje celebrada pela 55.a vez em Angola, como Dia da Luta Armada de Libertação Nacional. Muito por culpa da falta de meios dos revoltosos, não houve presos políticos libertados e o número de vítimas foi relativamente baixo, apenas entre assaltantes e forças policiais. Mas o 4 de fevereiro, que viria a ser reivindicado pelo Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA), cumpriu o objetivo principal de um homem que, nas décadas seguintes, foi sendo apontado como figura central.
Num texto escrito há uma década sobre esta data, o historiador luso-angolano Carlos Pacheco diz que “na origem da rebelião de 1961, como seu inspirador, esteve o cónego Manuel Joaquim Mendes das Neves, mestiço, natural da vila do Golungo-Alto e missionário secular da arquidiocese de Luanda”. Outro historiador e jornalista, Emídio Fernando, citou o também padre Joaquim Pinto de Andrade a recordar as conversas em que Mendes das Neves dizia “ser preciso quebrar o mito” de que os angolanos gostavam de ser portugueses, defendendo a tese de que não era necessário “muita coisa para se fazer uma guerra e vencer. Basta fazer um ato que dê brado lá fora e quebre o mito”.
Com a ajuda do escândalo do Santa Maria, que o revoltoso capitão Henrique Galvão se preparava para desviar para Luanda, a capital angolana estava “apinhada de jornalistas, cineastas e locutores de rádios”, como confirma um relatório da PIDE. Sem grandes meios, a oportunidade foi aproveitada. E o plano de Mendes das Neves resultou: ainda segundo Emídio Fernando, “dias depois, logo após os funerais das vítimas, grupos de civis brancos organizavam autênticas batidas pelos musseques da periferia de Luanda, provocando a morte de centenas de pessoas”.
Numa Angola que nos 12 meses anteriores assistira à declaração de independência de 16 países africanos, incluindo a vizinha República Democrática do Congo, estava dado o mote para a luta. Nova revolta nas prisões de Luanda, dias depois, faz sete vítimas mortais, todas entre reclusos. Longe da capital, a norte, a União dos Povos de Angola (UPA) – que mais tarde se transformaria em FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e em inimigo do MPLA na guerra civil que se seguiu à independência – preparava–se para dar nova dimensão à luta.
A 15 de março, centenas de brancos, mestiços e negros que eram obrigados sazonalmente a deslocar-se do sul para o norte em trabalho começam a ser barbaramente atacados pelas ações de guerrilha da UPA em zonas rurais onde não havia proteção militar. No mesmo dia, em Lisboa, Salazar ordena a partida de quatro companhias de caçadores para reforço da guarnição de Angola. Mas só a 13 de abril é que o presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, proferiu a célebre frase “para Angola, rapidamente e em força”.
O conflito vai ganhando dimensão geográfica até chegar ao enclave de Cabinda. Civis brancos formam milícias, Portugal envia milhares de soldados por via aérea e marítima. MPLA, FNLA e UNITA lutariam por mais de uma década, não só contra as forças portuguesas – com quem chegaram a colaborar em alguns momentos do conflito –, mas também entre si. No lado português, o Estado-Maior General das Forças Armadas cifra o número de baixas em 3455. Sem números oficiais, parece consensual que mais de 50 mil – há quem diga o dobro – perderam a vida na luta independentista. Mas só a revolução portuguesa, a 25 de abril de 1974, abriria as portas à vitória, sem que isso garantisse a paz imediata para o país, como mostraram as várias etapas da guerra civil que durou até 2002.